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Imagem da Capa: “NEGRITADES – quadro G” 1990
…Assim tela e papel, assim pigmento e cor, nesta unidade orgânica que a pintura de Romy de Castro assume, nela se justificando como sua primeira razão de ser. Material – que a matéria é o que mais importa quando se trata (como sempre se trata) de fazer algo, coisa ou quadro, e, desde que nos disseram “fabris”, assim nos comportamos sobre a terra. A terra que fazemos, descobrindo-a ou laborando-a – ou semeando-a de pedras nobres para chegar a algures, em pirâmides ou catedrais, ou a nenhures, ao fim impossível de tudo, como Richard “land” Long, por esse mundo fora… Mas fazendo sempre da matéria que haja, ou se eleja, a coisa desejada ou sonhada. Mas a coisa em si, sobretudo, pela força e pelo valor de assim ser, entre todas as outras coisas do mundo a que se acrescenta.
À matéria, porém, que uma tela ou um papel pintado de Romy Castro nos oferecem num convite fascinante, algo mais se ajusta que, nestas oposições da retórica, seria o Espírito. Ele está em todos os elementos das cores e dos brilhos, como nas auréolas dos santos de antigamente; está ou anda latente ali, por inspiração do pintor laborando. Mas não só, e será o outro lado desta pintura que se apresenta.
(1993)
Romy Castro escolheu fazer o negro, não tal como se compra, de carvão animal ou marfim, mas seu, à força de outros pigmentos que em segredo faz vir de estranhos sítios, e que pode supor-se serem de ouro, mesmo pepitas, ou de diamantes e rubis moídos… Afogados no negro, não se veem, ou só podem ver-se, possivelmente, em microscópios eletrónicos ou através de minuciosas análises moleculares. O seu negro é negro, mas não sempre, só quando o quer Romy, no seu esplendor de azeviche e no seu luxo de veludo. Como na heráldica se diz “prata” ao branco e “ouro” ao amarelo, é “sable” o negro, e será, por assim dizer, a cor única da pintora. As preciosidades guardadas no seu interior secreto vêm à superfície dos nossos olhos, ensinando-nos então, pela fascinação dos seus brilhos insólitos, outra cor mais negra, de “sable”…
(1994)
Quem instala, instala alguma coisa – e onde. O lugar é tão importante quanto os objetos que lá se colocam: é ele que lhe dá o sentido global desejado, na criação de uma cena (…). Instalação quer dizer ato de pôr dentro de um poiso (“stall”) o que se põe e só assim fica posto. O sítio é formalmente significativo, mas é-o também semanticamente.
José-Augusto França (1996)
Este é um espaço mineral que ao mesmo tempo se constrói e desagrega, um fogo passou por ali, daí a escória, há escorrimentos de fluídos agora petrificados, há o coração da pedra com seus cristais e tesouros, há, discretíssimo, vegetal e viva, uma marca de um sangue que indica, ou anuncia, a possível presença da vida. Para além do horizonte há presença e memória no exercício de uma imaginação material que se ocupa dos princípios (ou dos fins?), do antes (do depois?) da cultura, do homem, dos afetos, das paixões. E, porém, com eles, meditada, pesada, sofrida que esta pintura é construída.
José Luís Porfírio (1990)
…Aquele mundo subterrâneo e cintilante era habitado por seres estranhos: escaravelhos vindos de outros continentes de carapaça rígida que emergiam da matéria feita de texturas da terra e da casca das árvores... Era o tempo onde o segredo dos bichos se misturava com o som dos seus esconderijos. Uníssono possível a pardo plenitude dos negros do carvão que sabre o papel se espalhavam, tal como hoje, apelando à profundidade dos lugares e ao centro de todos centros.
Trabalhando os cambiantes e aproximando-os da pureza do minério, assim foram os diversas fases que Romy Castro desenvolveu, até cruzar a pintura com a instalação. A filosofia mantém-se: a emergência do negro portador da simbólica do vazio, do abismo, do espaço, do universo.
Outrora o preto cortava a brancura do papel como uma lâmina, mas nas suas mãos tornou-se uma mancha envolvente e tonal que a série Black Time assinalou no estalar da tinta abrindo crateras e magmas vulcânicos em negros acetinados.
Memória da Terra Negra II é a simbiose entre a pintura e a escultura através da exaltação de um espaço profundo, onde do carvão colocado sobre o pavimento nascem flores (que diria António Pedro se visse as suas flores protagonizarem não pesadelos como na sua pintura, mas sonhos) uma espécie de jarros negros de espadice branco (revestido a pirite), assumindo provocatoriamente um sentido erótico até aqui camuflado. Seres de uma outra realidade, alter-ego de cada um, estas flores mágicas mergulhadas na carne do carvão assinalam o contraste das coisas na febre do branco contra o negro, sem passagem, sem modelação. Das paredes as pinturas saúdam este processa de clarificação do olhar, porque no seu território de negros cintilantes e aveludados, procuramos os sinais de vida, que as suas quebras permitem reconhecer em uníssono possível...
Cristina Azevedo Tavares (2005)
CATÁLOGO
“MEMÓRIA DA TERRA NEGRA” II
Seis pinturas, 100 x 70 cm
Matérias minerais e vegetais sabre papel feita à mão
e uma instalação de várias peças
2005
“THE BLACK TIME” — SÉRIE 1
Quatro pinturas, 58 x 78 cm
Matérias minerais e vegetais sobre papel feito a mão
1995
As peças de “Memória da Terra Negra “II foram realizadas expressamente para esta exposição.
Carvão gentilmente cedido a título de empréstimo pela CARBRICA - Carvões e Madeiras, Lda.
O ARTISTA E A OBRA
Romy Castro nasceu em Lisboa em 1956. Licenciou-se em Artes Plásticas – Pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1986, e na secção de pintura na Facultad Complutense de Bellas-Artes de Madrid, em 1988, tendo frequentado a École Supérieure des Beaux-Arts de Paris. Entregou dissertação (“Mark Rothko – os tempos da cor”) para mestrado em Estética na FL/UL.
Expôs pela primeira vez individualmente na Galeria Bertrand, no Porto, em 1986, e no ano seguinte em Lisboa na ESBAL, na Cerca Moura, no Templo do Gato e na Galeria Triângulo onde voltou a expor em 1989 (“Interioridades”). Em 1990 expôs na Galeria S. Mamede (Lisboa – “Arctos”), em Vilamoura (“Negritades”) que expôs igualmente em Berlim (Galerie Capricorn-Art e Exibit-Galerie) nesse ano e em 1991. Desde então expôs em Barcelona, Oeiras, Algarve, na Galeria A. Prates (Lisboa). Em 1994 realizou uma vasta instalação no Convento dos Cardaes, em Lisboa.
Em exposições coletivas figurou desde 1975 em numerosos conjuntos, e depois de 1982 (III Bienal Internacional de V. N. de Cerveira), nomeadamente em S. N. B. A., ESBAL, Angra do Heroísmo, Madrid, Barcelona, Emiratos Árabes, Amarante (Prémio Amadeo de Sousa-Cardoso), etc.
Está representada em coleções públicas: Museu de V. N. de Cerveira, Museu Amadeo de Sousa-Cardoso, Amarante, Museu Municipal de Tomar (col. José-Augusto França), ESBAL, Banco Millenium, Caixa Geral de Depósitos e também em coleções privadas em Portugal, em Espanha, no Brasil, nos Estados Unidos, no Japão, nos Emiratos Árabes, etc.
Escreveram sobre a sua pintura, entre outros, José Carlos de Vasconcelos, José Luís Porfírio, José-Augusto França, José Pinharanda, Cristina Azevedo Tavares, Maria João Fernandes, Pedro Alvim, Corredor Mateos, José Guerrero, Sérgio Rispoli, Fernando de Azevedo, tendo a própria artista publicado numerosos textos na imprensa e em catálogos.
À sua Obra de pintora junta-se uma atividade de “designer” gráfico, de joias e de mobiliário, estando atualmente a dirigir a renovação artística da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.
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