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Imagem da Capa: Desenho, 1938

Abril – Junho 2006

Júlio 21ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

Desenhador do “Poeta” como personagem constante da sua comédia lírica, depois de uma pintura acerbo do quotidiano social e onírico, Júlio ofereceu ao herói que ia ter a imagem da “Menino” pela qual ele poderá ou deverá existir, (...)

Desenhador do “Poeta” como personagem constante da sua comédia lírica, depois de uma pintura acerbo do quotidiano social e onírico, Júlio ofereceu ao herói que ia ter a imagem da “Menino” pela qual ele poderá ou deverá existir, na realidade dos seus sonhas.

 

Cem Quadros Portugueses do Século XX (2002)

 

Júlio foi, realmente, a “Presença” — o seu lirismo, a sua imediatidade expressiva, a seu horror aos academismos ou às habilidades estilísticas, uma certa ingenuidade cultural, voluntária ou involuntariamente cultivada... 

Não foi ele, de certo modo, o seu pintor oficiosa?

A Arte em Portugal no Século XX (1974)

Júlio inscreve-se historicamente na mesma marginalidade (que Mário Eloy). Engenheira, dedicou-se espontaneamente à pintura, tanto quanto à poesia e foi um dos autores da “Presença”, irmão de José Régio — e correspondendo mais precisamente aos conceitos que este e a sua revista formulavam em artes plásticas.

Estreado em 1930 nos “Independentes” Júlio levava já uns sete anos de prática de pintura que abandonaria em 1935, com uma exposição individual na SNBA, para se consagrar exclusivamente ao desenho, por falta de disponibilidade de tempo profissional. Desenhador foi, porém, até falecer, com uma obra imensa apreciada que nunca quis expor, por independência politica muito “presencista”, nas salas do SPN/SNI.

Os seus álbuns “Música” (1931) e “Domingo” (1934) reúnem obras significativas. Na sua primeira fase artística, Júlio pintou cenas de explosivo humor crítico, muito perto do expressionismo alemão praticado com inevitável ingenuidade de quem mais pensava por reproduções. Resumo dessa pintura de burgueses sórdidos e prostitutas puras, que um lirismo sentimental cobria, foi o quadro pintada entre 1928 e 1932, “Família” (col. Manuel de Oliveira) que representa o seu interior burguês de janela aberta sobre a cidade de Coimbra, autorretrato da pintor, mulher laborando e filha tocando cometa, numa harmonia de imaginário feliz que faz desta pintura uma obra de original significado na pintura nacional. Nos desenhos de carácter lírico, com uma ou outra influência de Picasso e de Matisse, passeia-se, em numerosas séries, uma figura de “Poeta” que já foi naturalmente posta em comparação com a “poeta” de Eloy, mas dele afastado por um “terno sentimentalismo” (J. Régio) que não pode deixar de acusar uma perspetiva provinciana de aliciante ingenuidade.

 

José-Augusto França — «O Modernismo» in História da Arte em Portugal - vai. VI, 2004.

 

 

Na tarde longo

imaginei um longo poema.

Depois,

fui-o encurtando

e reduzi-o a pequenos versos.

 

Quisera que meus versos

fossem duas palavras apenas,

aéreos como penas,

leves

como tons dispersos...

 

Saul Dias

 

 

 

Quisera que meus versos

fossem duas palavras apenas,

aéreos como penas,

leves

como tons dispersos...

Saul Dias

 

Júlio, o poeta, o pintor, o autodidata, o sonhador apaixonado pelo rigor e pela fantasia, através das suas imagens convido-nos à reinvenção do olhar, ponto de partida paro a descoberta de um mundo outro, ilimitado e cintilante.

Maria João Fernandes, 2004

 

Irmão do poeta José Régio, Júlio fez parte da revista Presença (1927-1940) e ilustrou vários livros. Sob o pseudónimo de Saúl Dias, publicou alguns livros de poesia. A comparação dos seus quadros com os poemas revela que Júlio é menos naturalista nos primeiros do que nos segundos. O seu expressionismo onírico, iniciado nos anos vinte, aproxima-se da linguagem de Chagail, onde se representa objetos pairando no espaço, fora da influência da força da gravidade, como nos sonhos felizes. Mas, nos anos trinta, Júlio observou outros mestres internacionais, como Georges Grosz, na sua vontade de denunciar os vícios dos burgueses. Júlio aspirava a uma sociedade onde imperassem as afeições puras e generosas. O palhaço pobre e o poeta trovador são as personagens que ele apresenta como capazes de instaurar imediatamente na vida quotidiana o desprendimento e a tolerância, a alegria e a ternura. Sobre estes temas e outros afins, Júlio realizou centenas e centenas de trabalhos, onde foi passando da intenção ilustrativa à elementaridade do motivo, para mais diretamente comunicar a sua jovialidade, em linhas e cores, cuja frescura sensorial o integra na grande genealogia pictural de um Matisse ou de um Dufy. Efetivamente, nos seus primeiros trabalhos, as linhas dos contornas eram rígidas e fortes; depois, elas tornaram-se sincopadas, executadas ágil e levemente, em desenhos que não buscam gradações de claro-escuro, mas sim um animado jogo de sinais negros sobre fundo branco, em alto contraste de agradável efeito ótico. Nalgumas variações sobre a figura feminina, Júlio abandona, além dos sombreados, a preocupação de marcar os volumes, para favorecer o efeito decorativo do arabesco, criando um lugar propício á expansão da fantasia visual.

Rui-Mário Gonçalves

 

 

Catálogo

 

1. Aspiracão, 1926 - 80 x 65 cm, óleo sobre platex                                                                                        

2. Menina na praia, 1933 - 80 x 65 cm, óleo sobre platex                                                                           

3. Mulher sentada, 1948 - 41 x 31 cm, lápis de cor e tinta-da-china s/papel                                        

4. Menina, 1978 - 40 x 47 cm, lápis de cor e tinta-da-china s/papel                                                        

5. Poeta, 1938 - 42 x 34 cm, tinta-da-china s/papel                                                                                       

6. Poeta e Palhaço, 1955 - 41 x 30 cm, tinta-da-china s/papel                                                                   

7. Poeta no circo, 1961 - 41 x 31 cm, tinta-da-china s/papel        

8. Menina sentada, 1932 - 36 x 34 cm, tinta-da-china s/papel

9. Menina sentada, 1946 - 46 x 34 cm, tinta-da-china s/papel

10. Menina com chapéu, 1960 - 41 x 31 cm, tinta-da-china s/papel

11. Nocturno, 1928 - 32 x 20 cm,  tinta-da-china s/papel

12. Nocturno, 1943 - 46 x 34 cm, tinta-da-china s/papel

13. Família, 1937 - 31 x 33 cm, tinta-da-china s/papel   

14. Nu, 1938 - 47 x 34 cm, tinta-da-china s/papel

 

Obras cedidas pela Galeria de São Mamede, em Lisboa - com os agradecimentos do MAT - NAC aa seu diretor Senhor Francisco Pereira Coutinho.

 

 

O ARTISTA E A OBRA

Júlio (Maria dos Reis Pereira) nasceu em Vila do Conde, a 1 de Novembro de 1902 e faleceu em 1983. Engenheiro Civil (1928), pela Universidade do Porto, frequentou, como aluno voluntário, a Escola de Belas-Artes. A partir de 1937 residiu em Évora, onde exerceu funções públicas. Irmão do poeta José Régio, esteve ligado ao grupo da revista “Presença”, para onde colaborou com ilustrações e poemas em vários números. Sob o pseudónimo de Saúl Dias, publicou alguns livros de poesia, entre os quais se destacam “Mais e Mais” (1932), “Tanto” (1934), “Ainda” (1938), “Sangue” (1952) e “Obra Poética” (1962). Iniciou a sua atividade plástica em 1923, influenciado por artistas como Matisse, Bonnard, Chagal ou Dufy, tendo estado em Paris em 1933 e 1961. Em 1934 publicou (Edições Presença) o álbum de desenhos “Domingo”, com introdução de Adolfo Casais Monteiro. Expôs pela primeira vez no importante “Salão dos Independentes” em 1930, a par de Mário Eloy e de Sarah Affonso, estando posteriormente representado no “Salão de Inverno” em 1932, no “Artistas Modernos Independentes” da Casa Quintão em 1936 e na Exposição Geral das Artes Plásticas em 1946, todas realizadas em Lisboa. Em 1956 e 1961 participou nas exposições da Fundação Gulbenkian. Postumamente, já em 1985, figurou na “Pintura Portuguesa” da Galeria Almada Negreiros em Lisboa e na II Bienal de Arte Moderna em São Paulo. Individualmente, começou por expor em 1935, na Sociedade Nacional de Belas-Artes e com catálogo prefaciado por José Régio. Seguiram-se outras exposições em Lisboa – 1938 (Galeria U.P.), 1944 (Galeria Buchholz), 1955 (Galeria Pórtico, com catálogo prefaciado por Vergílio Ferreira), 1959, 1964, 1970 (Galeria São Mamede) e 1973; no Porto – 1945, 1949, 1952, 1957 e 1967 (Retrospetiva na Cooperativa Árvore); em Coimbra – 1946; Évora – 1964 (Retrospetiva no Museu de Évora, com catálogo prefaciado por Mário Tavares Chicó); e Vila do Conde – 1967 (Retrospetiva na Câmara Municipal), etc., etc., sendo as mais recentes (2004-05) na Galeria São Mamede, Lisboa e Porto. Em 1980 realizou-se uma grande retrospetiva da sua obra em Vila do Conde, no Porto e na Fundação Gulbenkian. Nesse ano a sua atividade literária foi reconhecida com a atribuição do Prémio da Crítica ao seu livro “Obra Poética”, ex-aequo com António Ramos Rosa. Por ocasião do centenário do seu nascimento (2002), a Universidade Fernando Pessoa, no Porto, promoveu um colóquio sobre a obra de Júlio/Saúl Dias, destacando-a no panorama das artes plásticas e da literatura do século XX, como uma das mais inovadores e marcantes do modernismo português. Está representado em várias coleções privadas, nacionais e internacionais, bem como em coleções públicas, entre as quais Museu do Chiado e Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, e Tomar: Núcleo de Arte Contemporânea – Doação José-Augusto França.

Em 1964 Manoel de Oliveira realizou o filme “As Pinturas de meu irmão Júlio”, com texto de José Régio e música de Carlos Paredes.

 

Principais obras sobre o artista e poeta:

Maria João Fernandes, Júlio – Saúl Dias, o universo da invenção (IN-CM, 1984) e Júlio – Saúl Dias, um destino solar (IN-CM, 2004); Isabel Vaz Ponde de Leão, O essencial sobre Saúl Dias – Júlio (INCM, 2002).

 

 

 

 

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