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Imagem da Capa: Pintura, 1986

Abril - Junho 2010

Gracinda Candeias 37ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

QUANDO SE INSTALA O ORIENTE Instala-se o que não se tem, nem quer, nem pode ter – não por imitação do real nem por projeto dele. (...)

QUANDO SE INSTALA O ORIENTE

 

Instala-se o que não se tem, nem quer, nem pode ter – não por imitação do real nem por projeto dele. Outra coisa é: a falsa realidade criada não para fingir a verdadeira, que não existe, mas para tornar verdade a própria. Isto é, trata-se de um ato poético.

Os altares evocatórios, como “manes” nossos seriam entre os Orientais, têm uma função que para o Ocidente só decorativa poderá parecer, cenograficamente – a menos que a inspiração tirada do modelo algum dia visto, tome caminhos de empenhado jogo, e de liberdade. Como tentar (os nossos próprios demónios...) entrar no discurso mítico do quotidiano chinês onde outro tempo é tempo?

As nossas perspetivas culturais são tão diferentes que levaria séculos a um artista nascido no outro lado do mundo, a compenetrar-se do real em que pousa, a um só dia de voo: as dimensões do tempo necessário da cultura e do tempo suficiente da civilização são outras – e só o sonho resta, humildemente lembrado de cores e odores, como aqui.

Sonhar de ser chinesa é o que Gracinda faz porque a fascinou o que sensivelmente viu, inocentemente se vendo – e porque a sua própria praxis de pintora de gestos doces e caligrafias correntes lhe levou o espírito a um estado segundo e fluido, lúdico e um tanto, por emoção, sagrado. Indispensável isso foi, por razões da estética que lhe cabem.

Os retratos que a artista finge nas mensagens que lhes oferece, o sopro de brisa os move entre madeiras preciosas por tintura e leves de folhas de seda, imponderáveis...E do seu próprio real ela se evade no tempo lento que leva a fazer cada um dos elementos e a casá-los, depois, atentamente, com as indecisões certas do criar.

Como o horóscopo de fronte, com os seus astros e linhas de sabedoria, concordâncias e repúdios, na grande liberdade de outro céu e de outros bichos sucedidos em anos que não são anos, por convenção diferente onde os sentidos do Ocidente se perdem (o sistema é Tzu Wei, nos é dito – e porque não o seria?...). Para isso o fez Gracinda – e vir um dia o ano de 1999 só a nossa história conta, que há muito está sentimentalmente contada. Não, decerto, para a lonjura mítica de uma muralha de pedras, ou uma marcha de gente, pela eternidade fora...

Depois, pelas paredes, painéis se multiplicam, brancos do papel de arroz, com signos quase negros que se decompõem. O dicionário Kang Hsi de radicais, lhes mostra, mas não a tradução que não pode nunca haver por equívoco de línguas e códigos diferentes. O que está escrito escrito está – e só o gesto fica, é e serve, em “antegrafia” e mistério...

Pelo espaço, ainda, um dragão de seda branca encaracola anéis: está assim no projeto da artista. Como será, depois de feito, para não ser cortina de cena e não sendo festiva ameaça nas ruas de Macau? A cada ponta da sala há Lótus que flutuam, mas são de fibras de vidro, e mesmo a água, que será? Sabe mais, depois, o espectador que o prefaciador antes...

A tentação do Oriente desde sempre foi havida nos povos onde o sol dia a dia vem morrer. Para eles, e porque a terra, como o sonho, é redonda, o Oriente está-nos sempre, necessariamente, para além do Oriente.

José-Augusto França, Fevereiro de 1994

 

(...) A Pintora confessa que tem o maior cuidado em não apagar os primeiros movimentos de tinta, as primeiras marcas. – Elas são determinantes, diz-me. Junta-se à opinião de alguns mestres que consagram as primeiras pinceladas como o fundamental de um quadro. A primeira energia que rasga uma tela em algumas verticais e oblíquas, em uma ou outra chamada horizontal, delimita os confrontos de uma dinâmica interior, agressividade, paixão, arrebatamento místico que uma vertical descreve, desequilíbrio, drama, fuga, aceleração temporal, para as oblíquas, pausa temporal, hiato clássico, linha de terra, para as horizontais. Por alguma razão, afinal, se lhes chama horizontais.

Mas essa energia primacial, que rasga os primeiros movimentos, transcreve justamente o impulso inicial da criação, o discurso  mais íntimo, aquilo que está na ação do pintor e que daí vai até ao seu Inconsciente. Afinal, ninguém sabe o que vai pintar quando executa os primeiros passos de dança de um quadro, mesmo quando julga que vai fazer assim, não o fará desse modo, se tiver a coragem e o discernimento de deixar que o subconsciente atue. A razão é como que um auxiliar do pintor, é um apoio para a sua mão, é algo que o ajuda a fazer a gramática da pintura, mas não se deve imiscuir com a semântica da linha ou das cores. A fome que o pintor tem daquela cor, daquela sombra, a angústia que o perturba para aquele movimento, são pulsões residuais, instintivas, que determinam todo um quadro interior de opções inconscientes. É por isso que o fracasso perante um quadro não transcreve apenas um erro, mas antes uma incapacidade para se transmitir a si próprio: é como se, indo à procura de si mesmo, não se conseguisse encontrar e fosse, desse modo, compelido a pensar-se perdido, ou inexistente. O lado material da pintura, que dá corpo a um objeto que é o quadro, induz a uma alteridade do seu autor, que se torna trágica quando ele fracassa nessa transmissão. É como se não existisse. Ninguém pode avaliar, senão um pintor, como é destrutivo e traumático esse apagamento da alma que é a destruição ou o apagamento de um quadro.

Jorge Guimarães

 

 

AS ESCRITAS DO CORPO E DO COSMOS

(...) Na série “Os Materiais do meu Corpo” a artista sintetiza, fragmentando-as nas múltiplas imagens do seu encantamento, uma privilegiada, amorosa relação com a natureza que se revela ao corpo como outro corpo, como o corpo da alma também, em micropaisagens que são preciosas iluminuras de uma distância que se transforma na proximidade sensual e irisada da matéria a que é devolvida a sua essência, o maravilhoso. Imaginamos a tranquila gestação destes espaços, dádivas esperadas e inesperadas, precisas e fugazes, do instante que a imagem cristaliza. O gesto parece sonhar, entre pequenos lagos suspensos e uma terra feita de etérea poeira luminosa, levada pelo vento de um silêncio subitamente aceso, pelo ouro alquímico da sua interior, fulgurante beleza. Arte do espaço, onde se cumpre a vocação que Bachelard atribui aos elementos, a de uma “rêverie” em consonância como os sonhos do humano, sonhos de fluidez, de mobilidade, de repouso, de vontade, de expansão de iluminação. Arte da concentração, da intimidade e da transformação das formas no tempo, verdadeira poética do instante e da sua metamorfose. Gracinda Candeias, na sua pintura mais recente, transmite-nos uma experiência do Oriente que corresponde a um árduo, sensível e exigente trabalho da matéria e a uma aventura da alma ao encontro da sua origem e da origem da escrita.

Maria João Fernandes, Macau, Setembro de 1995

 

 

CATÁLOGO

1. Ícaro, 1981 - Óleo s/ tela, 61 x 72 cm

2. La Danse, 1987 - Óleo s/ tela, 80 x 100 cm

3. Sem título, 1988 - Óleo s/ tela, 68 x 79 cm

4. Envolvência, 1989 - Óleo s/ tela, 81 x 100 cm

5. Gráfico, 1990 - Óleo s/ tela, 56 x 60 cm

6. Salto, 1990 - Óleo s/ tela, 80 x 100cm

7. Primavera 1, 2001 - Óleo s/ tela, 73 x 92 cm

8. Primavera 2, 2001 - Óleo s/ tela, 71 x 92 cm

9. Mar 1, 2005 - Óleo s/ tela, 50 x 70 cm

10. Mar 2, 2006 - Óleo s/ tela, 65 x 81 cm

11. Antes e Depois, 2006 - Óleo s/ tela, 60 x 150 cm

12. Crepúsculo, 2007 - Óleo s/ tela, 60 x 150 cm

13. Silhueta, 2007 - Óleo s/ tela, 130 x 90 cm

14. Beijo, 2007 - Óleo s/ tela, 66 x 90 cm

15. Terra de Siena, 2007 - Óleo s/ tela, 68 x 97 cm

16. Fragmentos do deserto, 2007 - Óleo s/ tela, 18 x 14 cm (23 peças)

17. Ouro s/ azul, 2008 - Óleo s/ tela, 73 x 92 cm

18. Esperanza, 2009 - Óleo s/ tela, 70 x 230 cm

 

 

 

 

O artista e a obra

 

Gracinda Candeias nasce em 1947, em Luanda, filha do pintor José Marques Candeias. Ficou a viver ali até 1963. «A baía e essa necessidade de água que sempre terá. Aprende a nadar e entra em competições. De Angola traz a memória dos cheiros de terra queimada!» Em 1964 viaja para o Porto a ali frequenta a “melhor Escola de Belas Artes do País”, como então era considerada. Em 1967, realiza uma viagem a Paris onde vê a grande – Retrospetiva de Picasso – e através dela vai reencontrar a magia da Arte Africana. Em 1969, termina o curso de Pintura na Escola Superior de Belas Artes do Porto.

 

Regressando então a Luanda onde se confronta com uma cidade em profunda mudança. Em 1970, de novo em Lisboa, inicia uma experiência pedagógica na Escola Francisco Arruda. Três anos depois começa a trabalhar no seu atelier dos Coruchéus. Data daí a fase “rosas e laranjas” na sua pintura. Ela reflete “ Lisboa e as quatro estações europeias”.

 

Em 1976, realiza uma viagem à Índia, que dá origem a uma nova paleta de cores na sua pintura. Quatro anos depois realiza uma primeira viagem ao Brasil. A pintora reflete então neste regresso aos trópicos: cores mais vivas entram na sua pintura. Em 1987 encontra-se em residência artística em Paris com uma bolsa da Fundação Gulbenkian, tendo como orientadores, Eduardo Luís e Júlio Pomar.

 

Em 1989, organiza uma exposição comemorativa de 20 anos de carreira, na Galeria Nasoni, Porto. Um ano depois vê-se obrigada a interromper temporariamente a sua atividade como pintora por ter contraído uma doença provocada pelas tintas aplicadas com as mãos. 1991 é marcado por uma primeira viagem a Macau, onde expõe na Sala Garden da Fundação Oriente. Nas viagens que realiza à China “aprende imenso através das paisagens milenares”. Seguem-se outras exposições na China. Em 1992, tem uma nova exposição retrospetiva da sua obra no Museu da Água, Lisboa, com o lançamento do livro “Gracinda Candeias – a pintura na pele” reunindo textos de vários autores. A sua primeira Obra Pública – data de 1993-94, na estação de Metro Moniz. Desde então trabalha em mais obras até 2002. Uma exposição individual “Felinos e Galináceos” tem lugar na Galeria Lídia Cruz, em Leiria em 2002.

 

O ano seguinte é marcado por uma primeira viagem ao Brasil, onde reside durante um semestre. Estuda madeiras tropicais como suporte para um novo projeto de pintura inspirado em símbolos da Arte Rupestre Angolana, no seguimento do tema “Rainha Ginga e o Traje”, apresentando em todos os países de Língua Portuguesa. Em 2004 é submetida a uma intervenção cirúrgica na mão esquerda, motivo que a leva a suspender a atividade pictórica durante quase um ano. Continua trabalhando e prepara para 2009 uma exposição comemorativa dos 40 anos de atividade, juntamente com uma “Exposição Antológica 1992-2002” na Galeria Torreão Nascente da Cordoaria Nacional, Lisboa. Ao mesmo tempo apresenta o livro editado sob título ”Antologia 1992-2002”.

 

Gracinda Candeias realizou várias exposições individuais e participou em coletivas no país e no estrangeiro onde está representada em vários museus. Ganhou vários prémios na sua vasta carreira.

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