Gestão de Cookies

Com o objetivo de melhorar os nossos serviços e a experiência de navegação, informamos que utilizamos cookies.

Aceitar

Recusar

Imagem da Capa: O39.68, 1968

Abril – Junho 2008

Fernando Lanhas 29ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

…surgiu entre nós o entendimento de uma nova problemática que subitamente se vai apoderando da pintura ocidental, relativa a uma invenção de espaço-forma, (...)

…surgiu entre nós o entendimento de uma nova problemática que subitamente se vai apoderando da pintura ocidental, relativa a uma invenção de espaço-forma, colocado em relações novas, não de oposição ou de complementação mas de ambiguidade, de maneira a resolver, para estruturas psicológicas de hoje, aquilo que a convenção perspetivista do Renascimento resolvera para as do “Quattrocento”. Como esse entendimento se está a dar, é cedo ainda para saber, e mais cedo para nele, além dum lirismo já observável, encontrar caracteres nacionais. A seu lado, não nos esqueçamos, porém, que outra linha abstrata se desenha (e o nome de Fernando Lanhas deve ser mencionado aqui) e que esse tem que ser compreendido em relação à pintura portuguesa antiga, que é só, verdadeiramente, a dos painéis de Nuno Gonçalves. Compreendida historicamente, quero dizer – mas muito mais importante e real acho eu que sejam os painéis a ser compreendidos a partir da pintura do Almada Negreiros e do Lanhas. E tão real assim acho, que não acredito que haja outra maneira, se não erudita, morta e lograda, de os compreender.

Retrospetiva de Arte Abstrata em Portugal, 1958

 

 

 

A principal personagem do 1º Salão de Arte Abstrata de 1954 foi, porém, Fernando Lanhas (1923), arquiteto portuense avesso a exposições individuais que em Lisboa só na Galeria de Março consentiu, em 1953 (e no Porto em 1989), e que esteve na base da linha geométrica do abstracionismo português, por ele iniciada dez anos atrás.

Lanhas prosseguiu uma obra de grande rigor formal com economia propositada de meios picturais, limitado a tons terrosos ou cinza, por vezes rosados, ou a tonalidades de preto devidas a materiais diferentes, como na colagem C 8-56 (1956, M. Chiado). Uma profunda meditação formal em construções tensas e perfeitas norteia esta obra pouco numerosa e espaçada, por lentidão da investigação, que já se quis dizer “jansenista” (1953). De inspiração musical no seu início, e de fonte matemática, ou numa obsessiva relação com problemáticas da astronomia, que o pintor professa, ela desenvolveu-se com uma discrição pessoal que quase a mitificou, e que corresponde à tranquila e isolada posição do artista, também extensiva à arquitetura que pratica ou à museografia por que se interessa. Única da sua espécie na pintura nacional, ela pode (e deve) ocupar um lugar também inédito na arte europeia, com um parentesco sublinhável com a pintura de Mortensen dos anos 50.

História da Arte em Portugal – vol. VI, 2004

 

 

 

A constância da pintura de Fernando Lanhas é feita de uma subtil e inconsútil temporalidade – como de quem sabe o que estruturas são, numa perfeição não buscada mas havida. O tempo entra nela não para a alterar, mas como uma necessidade interior: é o tempo dela, da pintura, e dele, do pintor. Os “89 Óleos” contados na sua última exposição, como tendo sido feitos e inventariados, remetem para óleos de numeração e data que não pode ser muito anterior – nestes sessenta anos de obra que cobrem, numa permanência de diálogo consigo próprios, os óleos, e o pintor. Os elementos formais que se identifiquem, de um quadro para outro, a anos de distância, são referências de uma necessidade familiar, entre linhas e volumes legíveis, num jogo que a sua verdade condiciona.

…Em mais algum pintor europeu da sua genealogia assim acontecerá? Agora que a sua história está feita, em anos 20, 30, 40, 60, a resposta pode ser que não. E para além dessa história, em 2008, Fernando Lanhas assegura-lhe, com irónica inocência, a verdade que lhe assistiu, e assiste…    

 José-Augusto França (2008)

 

 

 

Lanhas não pinta por prazer, nem a pintura é para ele um motivo de satisfação.

Lanhas não pinta por íntimo impulso, “necessidade interior”, nem a pintura é para ele a forçosa expressão dessa necessidade. Lanhas não pinta porque “nasceu pintor” e a pintura, essa “arte excelente, ilustre e subtilíssima”, não é, para ele, o fardo que carrega ao longo da sua existência.

Enfim, Fernando Lanhas não corresponde absolutamente em nada ao retrato de um artista; e a pintura não lhe é nem paixão, nem sina, nem apelo fatal. Para Fernando Lanhas a pintura é, apenas e singelamente, mais uma ferramenta, é mais uma chave que utiliza para quotidianamente, constantemente, tentar penetrar no mais íntimo segredo da vida e do universo.

Evite-se, entretanto, cair na tentação de o considerar aparentado a um cientista. Lanhas não é um cientista. Ele “utiliza” a ciência como utiliza a arte: usa-as. Ele começa a estudar uma ciência não por essa ciência em si mesma, não porque se sinta atraído por ela, mas quando lhe faz falta para dar, com segurança, mais algum passo na sua incessante caminhada… - em direção a quê? Quando Lanhas pinta um quadro, ou quando escreve um poema – mesmo quando sonha um sonho, ou quando estuda um outro da ordem da grandeza das coisas, a sua atitude mental é a mesma, é idêntica a motivação que o leva para a frente: aproximar-se um pouco mais da fonte do Conhecimento, ao procurar vislumbrar o sentido exato da vida, dos objetos, do mundo, dos mundos, de Deus.

Fernando Guedes (1987)

 

 

 

Fernando Lanhas (Porto, 1923) é um dos exemplos mais singulares da história da arte portuguesa do século XX.

A obra de Lanhas é intemporal como os fenómenos do universo que a sua curiosidade não cessa de interrogar. Não há nela períodos, séries, diferentes estilos. Fluí como o correr do tempo como um rio que, não deixando de ser o mesmo, não corre exatamente da mesma maneira perante as mesmas margens. Por vezes, há recorrências: um projeto realizado em desenho num determinado ano poderá ser materializado ulteriormente, como pintura num outro ano, por vezes afastado por uma diferença de vários anos ou décadas em relação ao seu ponto de partida.

João Fernandes (2007)

 

 

 

O primado do plano do suporte é uma das regras essenciais do abstracionismo ortodoxo. A sugestão de profundidade, seja através de linhas em perspetiva, seja através de contrastes de cores quentes e frias, seja através do jogo de valores luminosos, é sempre uma ameaça para esta ortodoxia. Na obra de Lanhas, essa ameaça é afastada, pois não existem contrastes de cores quentes e frias nem sugestões de luz e as linhas tensas pertencem ao vocabulário da geometria euclidiana plana. As formas geométricas apresentam-se aos olhos e à mente com a mesma evidência axiológica. O carácter intelectivo deste ato da perceção é aproveitado para composições controladas, cujas linhas jamais se arriscam a evocar qualquer particularidade do mundo visível. Mas o plano de suporte é ainda reafirmado no modo de representação dessas linhas: cada uma delas é representada através de um traçado largo e impessoal, como se fossem fitas coladas, sempre com a mesma grossura. Uma impecável segurança gráfica determina a proporção entre estas grossuras e a área total do quadro, que se apresenta com uma notável nitidez. As tensões estruturais, através das quais a equilibrada sensibilidade pessoal de Lanhas se manifesta, surgem dos confrontos das funcionalidades dessas linhas: função de demarcação de áreas e função de signo.

Raramente as composições abstratas de Lanhas são simétricas. Elas encontram um equilíbrio dinâmico extraordinariamente rico nessa multiplicidade de funções das linhas, como signo ou como estereotomia, animando-se com uma expressividade de tipo musical, que se manifesta desde as primeiras obras. Embora seja certo que a profissão de arquiteto, com os problemas de espaço que enfrenta e os instrumentos rigorosos que utiliza, tem ligação com o abstracionismo geométrico de Fernando Lanhas, também é certo que as primeiras intuições abstracionistas deste artista surgiram através da meditação sobre a música rigorosa de Bach.

(…) O fascínio não é um valor alheio à arte pictórica de Lanhas, mas resulta da convergência de todas as capacidades espirituais na busca de modelos estruturais superiores.

Rui Mário Gonçalves (1986)   

 

 

CATÁLOGO

 

1. O36B/61, 1961

Óleo s/tela

104x64 cm

 

2. O63.98/03, 1998/2003

Óleo s/ tela

162x81 cm

 

3. O69.57/04, 1957/2004

Óleo s/tela

140x100 cm

 

4. O70.79/04, 1979/2004

Óleo s/ tela

97x146 cm

 

5. O73.95/05, 1995/2005

Óleo s/ tela

146x73 cm

 

6. O74.95/05, 1995/2005

Óleo s/ tela

130x97 cm

 

7. O76/05, 2005

Óleo s/ tela

140x70 cm

 

8. O83/06, Sol, 2006

Óleo s/ tela

150x100 cm

 

9. O84/06, Penedo Branco, 2006

Óleo s/ tela

140x100 cm

 

10. O85/06, Noite, 2006

Óleo s/tela

140x100 cm

 

11. O86/07, Tríptico, 2006

Óleo s/tela

80x200 cm

 

12. O88/07, 2007

Óleo s/tela

130x97 cm

 

13. O89/07, 2007

Óleo s/tela

97x130 cm

 

14. C8/56, 1956

Colagem

73x68 cm

 

A Câmara Municipal de Tomar agradece à Fundação de Serralves, ao Museu do Chiado, ao Dr. Fernando Guedes e ao autor a colaboração amavelmente prestada.

 

 

O ARTISTA E A OBRA

Fernando Lanhas nasceu no Porto a 16 de Setembro de 1923. Formado em Arquitetura em 1947, foi na ESBAP – Escola Superior de Belas-Artes do Porto, que desenvolveu o interesse pela pintura. A participação na década de 40, nas Exposições dos Independentes, de que foi principal organizador, permitiu um rápido conhecimento público da sua obra. Pioneiro do Abstracionismo Geométrico, Lanhas foi o primeiro pintor português com consciência abstrata. No entanto, não se considera pintor. O caminho entre a figuração e a abstração, fê-lo, por uma necessidade intrínseca, da qual estão ausentes referentes nacionais ou estrangeiros. Para Fernando Lanhas, a pintura, a colagem ou o desenho, são como a arquitetura, a poesia e o registo dos sonhos, ou astronomia, a etnografia e a museologia, entre tantas outras atividades a que se tem dedicado, uma via de constante interrogação do Universo. Manifestações de um desejo de conhecimento da origem das coisas, naturais ou humanas. Resultado de uma inquietação metafísica e assente num sistema vocabular restrito, que conhece poucas variações, cedo se definiram as coordenadas fundamentais do seu abstracionismo. Numa aparente simplicidade visual, sobre um fundo monocromático, impõem-se em austero colorido, formas-signo compostas por linhas geométricas simples. Em 1952, realiza um projeto de intervenção plástica nos rochedos da Serra de Valongo, que antecipa os movimentos de Land Art dos finais da década de 60, e que tem continuidade nas pedras pintadas, que desde 1949 vinha realizando.

A Galeria de Março apresentou-lhe em 1953 a primeira exposição individual e em 1987 a Secretaria de Estado da Cultura promoveu uma apresentação integral da sua obra nos domínios das artes plásticas, arquitetura, museologia, arqueologia e investigação. Mais recentemente, em 2001, foi a vez da Fundação de Serralves lhe dedicar uma exposição retrospetiva. Das mais de sessenta exposições coletivas em que se apresentou, destaca-se a participação no I Salão de Arte Abstrata organizado pela Galeria de Março, Lisboa (1954), a Retrospetiva da Pintura não Figurativa em Portugal, Lisboa (1958) e a representação às Bienais de S. Paulo (1953, 1955, 1957, 1959 e 1961) e Veneza (1954). Expôs recentemente no Porto e em Lisboa (Galeria do “Jornal de Notícias” e do “Diário de Notícias”) as obras presentes na Exposição da Galeria dos Paços do Concelho.

Doutor Honoris Causa da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e membro Honorário da Academia Nacional de Belas-Artes, Fernando Lanhas foi condecorado com a Medalha de Mérito da Cidade do Porto e com o Grau de Comendador da Ordem Militar de Sant’lago da Espada. A atribuição do Prémio Nacional de Desenho Marques de Oliveira em 1949 e do Grande Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 1997, demonstram o reconhecimento da originalidade de uma obra, que não teve antecedentes nem fez escola. Ver a monografia de Filomena Serra – Fernando Lanhas: uma vontade de mundo, col. “Caminhos da Arte Portuguesa no século XX” – n.º 37, Lisboa, 2007.

Gosta deste tópico?
Deixe um comentário

Partilhar esta página

Conhecer o(s) artista(s)