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Imagem da Capa: “Guache” 1979

Outubro – Dezembro 2004

Carlos Calvet 15ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

Águas e fogo, gelos e terra ou pedras tornaram-se cenário da pintura de Carlos Calvet, como se o espaço mental, há muito percorrido, se se transformasse, numa mais íntima ligação com os elementos que inundam, queimam ou agridem, (...)

Águas e fogo, gelos e terra ou pedras tornaram-se cenário da pintura de Carlos Calvet, como se o espaço mental, há muito percorrido, se se transformasse, numa mais íntima ligação com os elementos que inundam, queimam ou agridem, em ameaça de catástrofe. E a pergunta é se isso aconteceu ou se se anuncia, se é imagem de antes da tomada do poder intelectual, feito de lógica soberana na certeza do seu saber — ou se é, depois disso, devastação e ruína.

Por outras palavras: o universo de Carlos Calvet assegurava-se na sua verdade fundamental, que era de leitura segunda para depois dos acidentes de um dia a dia em que as coisas sucedem e doem. Era, como foi dito, um universo metafísico, sendo tal a pintura que o imaginizava, em suas construções e jogos de imagens múltiplas, reflexos de um real idealizado, no impossível dever de assim ser. O mundo era tectónico e sólido, mas assente num lugar fora do tempo e de espaço. Desse modo, o espaço e o tempo eram inteiramente inventados pelo que nele se levantava, e seus próprios. A história dessa pintura era só a história dela, sem referências na criação. Era, por assim dizer, uma pintura abstrata não em virtude da gramática das formas mas por o que nelas era alheio a toda e qualquer realidade, representada embora — cubo ou arco, mão como mão, lápis como lápis, que ela segure... Mas tudo isso sem outra razão de ser que não fosse a pura razão, em termos lúdicos do acontecer sem princípio nem fim, nem causa. Razão imanente das coisas que deixavam de o ser por a ela se reduzirem detrás da aparência suposta. Assim era o universo de Carlos Calvet, rico no seu sonho interno, e detido num momento que não tivesse antes nem após, nele ficando em estado de graça depois. Ou antes?

O facto é que Carlos Calvet deixou esse universo que vimos por outro, de intranquilo jogo de elementos naturais. A sequência das épocas da obra do artista (como se diz) não deve, bem entendido, servir-nos de guia para a interpretação, porque nada ao pintor pode ou poderia garantir que uma época “abstrata” não torne a vir, ou sequer tenha desaparecido sob a outra que observamos. Nada na criação, artística ou outra, é aditivo, mas tudo se multiplica ou potencializa nas contradições do discurso sempre necessárias às desculpas do criador, se lhas apontam, por tolice histórica...

José-Augusto França (1990)

 

 

 

O itinerário poético de Carlos Calvet é uma perpétua recuperação de si próprio, idêntico-diferente. Como disse André Breton, importa conseguir escapar ao princípio da identidade. Como disse António Maria Lisboa, tudo se define pelo diferente. A poesia dissolve.

É evidente que as artes visuais nos mostram objetos no momento em que se podem transformar em sinais. No momento em que são potencialmente sinais, ou em que os recusam, ou em que os transferem. Mas não é a atitude logocêntrica a que melhor pode entender essa vida dos sinais-nascentes. Tem de haver uma adesão mais total do espectador à totalidade de cada pintura e à totalidade do artista. E tem de respeitar-se a especificidade da pintura. Neste aspeto a obra de Calvet chega a ser didática. Mostra, por exemplo, como análogas linhas fechadas tanto podem ser a demarcação de um espaço como o contorno de um objeto. Pode dizer sim e pode dizer não. Como? Mediante a alteração do contexto.

A teoria que tende a considerar o contexto mais forte do que o sinal encontra nesta atividade uma experimentação preciosa. O espaço, a construção e a destruição da sua representação, a denúncia dos equívocos da perceção; o espaço é uma constante interrogação para Calvet.

A cor, já que nunca teve na obra de Calvet, por si mesma uma carga sensorial muito forte, já que foi sempre intelectualmente determinada, participou recentemente em especulativos processos de exacerbação de efeitos óticos, em fortes estruturas bidimensionais, alcançando por vezes um poder hipnótico. Isto pode desencadear de um modo renovado a comparticipação do espectador num estado segundo de concentração, adIvinhatório, que já fora adotado por Giorgio de Chirico, pintor que, desde o início, interessou a Calvet.

Os pintores metafísicos, através de jogos muito hábeis de alteração do espaço cénico tradicional, ou das associações inabituais das imagens e de ideias, provocam no espectador uma surda e fecunda inquietação, como se um silêncio “vibrasse” na expectativa de um grito ou de um brusco ruído de alguma máquina desconhecida. Tudo é simultaneamente estranho e íntimo, e deveria sem dúvida haver um nome para isso. O próprio vazio está qualificado. O vazio, como o escuro, o iniluminado, o negrume.

Rui Mário Gonçalves (1979)

 

 

CATÁLOGO

 

1. A cidade que sonhava ser navio, 2004 - Dimensões: 116 x 81 cm, Acrílico sobre tela

2. Como nascendo, 2004 - Dimensões: 116x81 cm, Acrílico sobre tela

3. Oráculo, 2003 - Dimensões: 130 x 89 cm, Acrílico sobre tela

4. Sem título, 2004 - Dimensões: 25 x 35 cm, Guache sobre papel

5. Sem título, 2004 - Dimensões: 35 x 25 cm, Guache sobre papel

6. Sem título, 2004 - Dimensões: 35 x 35 cm, Guache sobre papel

7. Sem título, 2004 - Dimensões: 32 x 25 cm, Guache sobre papel

8. Sem título, 2004 - Dimensões: 32 x 25 cm, Guache sobre papel

9. Sem título, 2004 - Dimensões: 29,5 x 21 cm, Guache sobre papel

10. Sem título, 2004 - Dimensões: 29,5 x 21 cm, Guache sobre papel

11. Sem título, 2004 - Dimensões: 29,5 x 21 cm, Guache sobre papel

12. Sem título, 2004 - Dimensões: 29,5 x 21 cm, Guache sobre papel

13. Sem título, 2001 - Dimensões: 34 x 25 cm, Guache sobre papel

14. Sem título, 2001 - Dimensões: 35 x 25 cm, Guache sobre papel

15. Sem título, 2004 - Dimensões: 26 x 37 cm, Guache sobre papel

16. Sem título, 2004 - Dimensões: 19,5 x 35 cm, Guache sobre papel

17. Sem título, 2004 - Dimensões: 20 x 35 cm, Guache sobre papel

18. Sem título, 2004 - Dimensões: 29,7 x 21 cm, Guache sobre papel

19. Sem título, 2000 - Dimensões: 20,7 x 17,7 cm, Guache sobre papel

20. Sem título, 2002 - Dimensões: 19,3 x 15 cm, Guache sobre papel

21. Sem título, 2001 - Dimensões: 18,7 x 15 cm, Guache sobre papel

22. Sem título, 2000 - Dimensões: 14x21 cm, Guache sobre papel

 

O artista e a obra

 

Carlos Calvet da Costa nasceu em 1928 em Lisboa e diplomou-se em arquitetura pela E. S. Belas Artes do Porto, passando mais tarde a dedicar-se exclusivamente à pintura. A primeira das vinte e oito exposições individuais que realizou em Portugal teve lugar na Galeria do “Diário de Notícias”, em Lisboa, em 1959.

A sua participação em exposições coletivas data de 1947, na “2ª Exposição Geral de Artes Plásticas”, estando presente consecutivamente até à 9ª Geral, em 1954. Entretanto, participou na exposição de “Jovem Pintura” em 1953 na “Galeria de Março”, no “Salão dos Artistas de Hoje”, em 1956, e no “1º Salão de Arte Moderna” da S. N. B. A., em 1958 e nos “50 Artistas Independentes”, em 1959 – e também nas duas Exposições da Fundação Gulbenkian, em 1957 e 1961. Foi um dos onze pintores selecionados para “A Brasileira do Chiado”, em 1971, e em 1977 participou na importante exposição “Alternativa Zero” (organizada por Ernesto de Sousa). Em 1992 esteve presente na exposição “Arte Portuguesa dos anos 50” (organizada por R. M. Gonçalves em Beja e na S. N. B. A.), e em 2001 na exposição “Surrealismo em Portugal, 1934-1952” (organizada por Jesus Ávila), em Badajoz e no Museu do Chiado, Lisboa. Entretanto participou em numerosas exposições nacionais, em Lausanne, Roma, São Paulo, Tóquio, Nova Iorque, Paris, Caracas, Rio de Janeiro, Madrid, Montreal, Bruxelas (1957-1986).

Carlos Calvet expôs ainda fotografia de 1989 a 2002, realizou filmes de amador (1959-1969), participou no famoso mural de “10 de Junho” (1974), e publicou uma obra de investigação, na sequência de outros trabalhos: “Mitogeometria de Portugal e outras histórias”, Lisboa, 2001, onde é muito questão do Convento de Cristo de Tomar e das suas raízes ocultas; e um importante álbum de reproduções com vária colaboração crítica, Lisboa, 2003 – que pode ser consultado na biblioteca pública deste museu.

 

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