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Imagem da Capa: “Retrato de mulher” c. 1947, Núcleo de Arte Contemporânea, Tomar

Julho – Setembro 2005

António Dacosta 18ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

António Dacosta busca a sua maneira de dizer, a sua técnica plástica e, para si, a pintura é qualquer coisa de mais íntimo à qual exige já uma reação essencial consigo próprio.

António Dacosta busca a sua maneira de dizer, a sua técnica plástica e, para si, a pintura é qualquer coisa de mais íntimo à qual exige já uma reação essencial consigo próprio. Por isso não será António Dacosta o caso mais sério da pintura moderna portuguesa?

(1949)

Falecido em Dezembro de 1990, com setenta e seis anos de idade e quarenta e três de Paris, António Dacosta foi o pintor português do nosso século que mais tempo viveu longe do seu país — duplo país primeiramente habitado na sua Ilha Terceira, e só depois em Lisboa, desde fins dos anos 30, por menos de dez anos. Triplo país, afinal, que lhe marcou a personalidade —pintor açoreano como o ilhéu Vitorino Nemésio bem entendeu, lendo-lhe como ninguém a obra, em 1942, e pintor de entre Lisboa e Paris. Em Lisboa tornara-se um mito à Amadeu, sustentado pela geração surrealista de 1948, que só à distância o conheceu, e por lembrança quase só ouvida da sua exposição (com António Pedro) em 1940; em Paris, onde sempre pairou como um estrangeiro distraído, era referência de amigos em visita, durante mais de trinta anos arredado de qualquer trabalho — Rimbaud com preguiça de ilhéu, em suas brumas atlânticas...

Até que em 1981 reapareceu, congraçando a admiração de velhos amigos e de jovens críticos que a seu tempo podiam descobri-lo. Em 1983, a secção portuguesa da Associação Internacional dos Críticos de Arte atribuiu-lhe o seu prémio nacional de artes plásticas. António Dacosta ressurgiu no momento exato em que uma pintura “despintada”, com formas desfeitas, sem figuras nem fundo, ganhava os mercados do mundo inteiro em transes de pós-modernismo, por receita bastante. No caso de António Dacosta, porém, não era de nova receita que se tratava, mas, simplesmente, ele retomava as suas imagens pessoais no ponto em que as deixara, em 1940 — duelistas paralisados, cães dormentes, leões drogados, um amor jacente, enfim, que aguardou sabiamente outros tempos de história e de angústia. E com isso se verificou ele como o mais importante pintor português do último quartel do século XX, mesmo que inda não terminado.

(1991)

A personalidade de António Dacosta no seu lento e apagado rumor de formas e de cores sumidas, traduz um profundo trabalho interior, uma meditação desinteressada nas ilusões dos movimentos que passaram por ele desde 1947 [...]. Aos 65 anos de idade [...] ele retomou a própria poética, no ponto em que ela assumira o seu tempo necessário [...]. A sua morte de certo modo concluiu um dos sentidos maiores da pintura de uma geração em que Dacosta foi o mais velho.

(2004)                  

José-Augusto França

 

 

 

A obra de António Dacosta (1914-1990) foi quase toda realizada em dois períodos muito afastados um do outro. O primeiro abarca os anos de 1936-1947. O segundo iniciou-se sensivelmente em 1977 e durou até à morte do artista.

A sua visão do mundo era mítica, tonto no primeiro período como no segundo. Para além das circunstâncias políticas, Dacosta procurou entender a humanidade. Assim, o seu surrealismo inicial tanto assumiu o grito expressionista como o silêncio da pintura “metafísica”. Construiu espaços inquietantes, onde se desenrolam dramas em carne viva. Por exemplo, o seu quadro intitulado “O Filósofo” (1942) representa um espaço interior à maneira do pintor italiano “metafísico” Giorgio De Chirico. Aí, um busto de gesso é demasiado vivo no rosto e transforma-se em muralha de pedras na nuca. A orelha é um buraco donde sai um pássaro: “aquela rola que espreita da mastoide numa cabeça clássica” (Vitorino Nemésio, 1942).

É devido à sua interpretação mítica do mundo que Dacosta representou cenas de touradas, onde a morte violenta é apropriada por um ritual pagão. “Tourada” (1946) é porém a representação da corrida à portuguesa, com cavalo e colorida. Em Portugal, o touro não morre na arena, perante o olhar do público. É uma tourada em que se procura anular os sinais da crueldade, para se concentrar apenas no jogo de contraste entre o cavalo amestrado e o touro instintivo: confronto entre o espírito apolíneo e o dionisíaco. O primeiro período começou de modo dramático e acabou de modo lírico. O segundo começou de modo lírico e acabou de modo trágico. Isto é, no final dos anos setenta, a sua visão do mundo substituiu as marcas da História pelas da Natureza. Avidamente, o pintor passou a captar no real e na memória os sinais alegres da vida. Os dramas passaram a ser farsas divertidos.

A realização insistente de quadros intitulados “Fonte de Sintra”, desde 1980, constituía um ritual com que pretendia atravessar o tempo e reencontrar a festa. Fontes de Sintra são metáforas, onde as recordações de momentos eróticos são avivadas pela sensação da natureza e condensam a problemática do entendimento do jardim com o paraíso terrestre. O tratamento cromático no plano do suporte, por si mesmo, oferece em 1980 agradáveis contrastes de cores frios e, em 1987, simplifica-se em cálidos ocres muito claros.

“A imagem Perdida” (1984) é também um quadro cuja composição confronta bidimensionalidade e tridimensionalidade. Como num ícone, a superfície está valorizada, havendo mesmo uma cercadura pintado ao longo dos bordos. Cada canto deste quadro tem porém materialidade diferente: luz mística, decoração, objeto vulgar e roupa de menino. Neste quadro, quase sem vazios, constrói-se porém, no primeiro plano, à direita, o volume cúbico de uma pequena mesa, sobre o qual se evidencia outra volume, em sóbrio claro-escuro. É o volume de um limão. Terna cena de maternidade, tudo nela é afago, tudo exprime o contacto entre o corpo da mãe e o do filho. A mãe fita o filho; e o filho fita o seio. Mas uma rima plástica desconstrói este discurso inocente: o bico do seio rima com o bico do limão. O pintor foi mais minucioso na descrição do volume do limão, porque, aí, sentia-se menos vigiado no ato de representar a forma de uma mas suas obsessões mais fortes: o seio procurado pelo adulto.

Rui Mário Gonçalves (2005)

 

 

 

CATÁLOGO

 

1. O Filósofo, 1942 - Óleo s/ tela, 46 × 38 cm, Col. Manuel de Brito

2. Tourada, 1946 - Óleo s/ tela, 37,5 × 48,5 cm, Col. Manuel de Brito

3. Retrato de José-Augusto França, 1957 - Guache s/ tela, 35 × 27 cm, Col. José-Augusto França

4. Duas Sereias à Boca de uma Gruta, 1980 - Acrílico s/ tela, 100× 81,5cm, Col. Manuel de Brito

5. Fonte de Sintra 1, 1980 - Acrílico s/ tela, 89x 116cm, Col. Manuel de Brito

6. Fonte de Sintra II, 1980 - Acrílico s/ tela, 100x81 cm, Col. Manuel de Brito

7. Está Calor em Évora, 1983 - Acrílico s/ tela, 146 × 114 cm, Col. Particular

8. A Mulher e o Folião, 1983 - Acrílico s/ tela, 97× 128 cm, Col. Manuel de Brito

9. Queria este Pato, 1983 - Acrílico s/ tela, 116 × 88,5 cm, Col. Particular

10. O Cisne, 1984 - Acrílico s/ tela, 73 x 92 cm, Col. Particular

11. A Adivinha Deolinda, 1984 - Acrílico s/ madeira, 122,5x 59,5cm, Col. Manuel de Brita

12. A Imagem Perdida, 1984 - Acrílico s/ tela, 100x81 cm, Col. Particular

13. Presságio, 1984 - Acrílico s/ tela, 60 × 73 cm, Col. Particular

14. A Tentação de Santo António I, 1984 - Acrílico s/ tela, 96,5 × 162cm, Col. Particular

15. La Religieuse Portugaise, 1985 - Acrílico s/ tela, 100x81 cm, Col. Manuel de Brito

16. A Pedido de uma Senhora Japonesa, 1985 - Técnica mista sobre contraplacado, 78 x 200 cm, Col. Particular

17. Fonte de Sintra, 1987 - Acrílico s/ tela, 97,5 × 130 cm, Col. Manuel de Brito

 

 

 

O artista e a obra

 

António Dacosta nasceu em Angra do Heroísmo, nos Açores, em 1914, e faleceu em Paris, em 1990.

Em 1938 foi para Lisboa, onde cursou Pintura na Escola de Belas-Artes e conviveu com Almada Negreiros e António Pedro. Em 1947 partiu para Paris como bolseiro do Governo francês a ali ficaria até ao fim da vida.

Pintor fundamental do início do Surrealismo em Portugal, teve também ação relevante na crítica de arte em Portugal (para o “Diário Popular”) e em França, (para o jornal brasileiro “O Estado de São Paulo”). Colaborou nas páginas de humor poético do semanário “Acção”, na revista “Variante” de António Pedro e escreveu o poema “ O Trabalho das Nossas Mãos”. Ainda em Lisboa, ilustrou três livros (“Europa” – poema de A. Casais Monteiro, “Uma Noite de Chuva” – contos de Ribeiro Couto e “Pássaro Preso” – poemas de Marícia Lemos), em Paris desenhou cartões para tapeçarias no Hotel Quai Voltaire (1949) e na Horta realizou os painéis geminados para o edifício da Assembleia Legislativa da Região dos Açores (1989). Com António Pedro, e a pintora inglesa Pamela Boden, participou, em 1940, numa exposição da Casa Repe, ao Chiado, que escandalizou o modernismo português tranquilizado. Ao longo da década de 40, influenciado pelo pintor brasileiro Cícero Dias, Substitui a aura de desespero da sua pintura por uma temática mais lírica, que com “A Festa”, lhe valeu o Prémio “Amadeo de Souza-Cardoso” do S. P. N., em 1949, para a Exposição Surrealista de Lisboa – deixou de pintar durante quase trinta anos.

Em 1980 reapareceu a pintar enviando a Lisboa um quadro para a exposição de apoio à candidatura do General Ramalho Eanes à Presidência da República, causando enorme admiração pelas novas tendências artísticas que relevava. Dacosta apresentou novos trabalhos em Lisboa na Galeria 111 (1983), e foi distinguido com o Prémio AICA das Artes Plásticas da Associação Internacional dos Críticos de Arte. A sua última obra foi um projeto de monumento para Angra do Heroísmo (realizado em 1995 por José Aurélio).

Integrou as principais exposições nacionais e internacionais representativas da Arte Moderna Portuguesa (Brasil, França, Canadá, Suíça e Espanha). Está representado em inúmeras coleções privadas e públicas: em Lisboa, no Museu do Chiado e no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian; nos Açores, no Museu de Ponta Delgada; e em Tomar, no Núcleo de Arte Contemporânea – Doação José-Augusto França.

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