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Imagem da Capa: Beco do Colégio dos Nobres, 1999

Janeiro - Março 2009

Pedro Soares 32ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

O fotógrafo deambula por Lisboa e também nos meandros das suas visões... (...)

O fotógrafo deambula por Lisboa e também nos meandros das suas visões... A Lisboa que vê, a Lisboa que revela, a Lisboa que imana, saturada, saturante. Lisboa à luz do dia, à luz da lua, à luz do flash, à luz das lâmpadas de vapor, à luz dos faróis. Lisboa azul, Lisboa verde, Lisboa vermelha, Lisboa natural e artificial, Lisboa ambígua e redundante a Lisboa de verdade, a preto e branco e às cores. Fotografar é então um ato solitário, subjetivo, introvertido. A máquina obedece ao comando de um cérebro que sonha com miragens. Nada é mais subjetivo que uma fotografia.

Pedro Soares, 1997

 

 

 

A fotografia começou por levar muito tempo a fazer-se: era a “pose” aas coisas, (árvores, casas, pessoas), esperando que o processo da luz as revelasse em imagem. Depois, esse mesmo processo foi sendo cada vez mais rápido, até ao instantâneo absoluto ou quase — para que já amanhã possa haver-se, tecnologicamente, e concerteza, alguma imagem “ante guam”... No sentido contrário, em fotogramas continuados, o tempo definiu tecnicamente um espaço animado por recomposição do espectador, que seria kinematográfico — e os nus de Duchamp desceram para sempre escadas desintegradas...

Mas outro contrário há, inexplorado ainda e riquíssimo de presunções, pelo lado do tempo que caminha sobre o espaço absolutamente imóvel cuja identidade assim se comprova. “Pose”, não para dar tempo às leis primeiras da física, mas para apreender outras, de técnicas requintadas do mesmo princípio de esperar. Aqui, a espera é de um tempo que vai passando e, sobrepondo-se, se altera em luz e, por isso, em cor. As coisas enquadradas não são mais do que são mas aquilo que em luz se modificam — a eternidade que em si mesmo se muda…

Lisboa expecta-se assim num novo sistema de imagens que, idênticas, se colam umas às outras como peles sucessivas do tempo.

Por debaixo daquela casa ou daquele céu representados, estão outros iguais, só que de outra cor, por outra luz terem recebido, e outros e outros ainda, até ao seu cerne, esse irreal, por fora do âmbito do tempo.

A realidade de Lisboa de Pedro Soares é complexa nas suas encarnações: em género, não tem que ver com a fotografia imediata que só fixa uma vez o que olha, e ainda menos com o jogo quotidiano das próprias coisas colhidas no olhar.

É uma realidade de outro grau, como que contemplada, não fora do tempo, mas pelo (inesperado) contrário, dentro do tempo em que não temos prática de viver, ou consciência, apercebendo-lhe só o resultado final. “Amanheceu”, “anoiteceu”, observamos nós, ou “está amanhecendo” ou “anoitecendo”, na perceção gradativa da respetiva luz — não, porém, e sem termos tempo verbal para isso, o fenómeno sobreposto e simbiótico desses graus de luz mudando, sabendo apenas, na impressão total, que as realidades de cada instante se sintetizam no discurso da cidade ou se concentram na sua alquimia.

… Basta, para isso, como o fotógrafo explica com o seu humor, saber deixar aberta, na devida proporção e no necessitado tempo, o diafragma que...

E que extraordinária Lisboa é esta, às vezes, em que as luzes da eletricidade se acendem na luz da natureza que se esvai, com cores mais cores do que o possível aos olhos que trazemos todos os dias pelas suas ruas!

 

José-Augusto França, 1994

 

 

OS RECLUSOS VISTOS POR PEDRO SOARES

Não escondem as mãos. Exibem elementares instrumentos utilitários, como emblemas do seu bom comportamento social.

Quase todos encaram o fotógrafo. Alguns param a expressão do rosto num sorriso apenas esboçado. É sem esforço que ficam quietos, colaborando candidamente com quem lhes aparece também com um instrumento pacífico nas mãos. Aceitam-no como se fosse um deles, confiam-lhe o que pensam da vida, da sua vida pessoal, dos seus atos que outros classificam de lícitos ou de ilícitos - sempre os outros! Ali, suspendem facilmente a sua ocupação diária diante do fotógrafo, porque a sua vida própria está suspensa. Mas facilitarão ao fotógrafo uma boa chapa?

O bom retrato é aquele que mostra o olhar do retratado. E o olhar só existe quando é livre.

Porque parecem eles ser tão fotogénicos? Porque, diante do Pedro e do seu instrumento simultaneamente banal e mágico, cada um deles encontra-se num momento de suspensão de segundo grau, isto é: uma suspensão na sua forçada vida suspensa, uma negação da negação, um vislumbre de se reconhecer como ser humano interiormente livre e não como uma mera coisa.

Ora, as fotografias oficialmente identificadoras não pretendem senão considerar os rostos como coisas, impedidas de qualquer ação intersubjetiva. Todos os arquivos estão pejados destas “naturezas-mortas”, entre as quais se encontram não apenas os retratos dos humildes e anónimos, mas também os daqueles que julgam sobressair. Nos pretensiosos retratos oficiais dos dignitários, a cabeça-totem aparece rodeada de objetos simbólicos: a mão de um rei segura um cetro; na cabeça, uma coroa. O rosto desparece e a mão também. Não vemos o indivíduo, mas as convenções informam-nos sobre o que ele quer que pensemos dele …sem verdadeiramente o ver! As medalhas e os ornamentos nada concretamente produzem, exceto a vaidade e a inveja de gente inútil.

A comunicação de massas trouxe muitas variantes ao convencionalismo, não para dar a conhecer os indivíduos, mas para difundir o hábito de olhar os rostos a partir de atributos previamente definidos e passados pelos crivos dos preconceitos morais e estéticos. Assim, as fotos das vedetas dão mais informações sobre as modas do que sobre os retratados.

Pedro Soares repõe a arte do retrato numa ortodoxia vinda das origens da técnica fotográfica. Concentra a atenção no indivíduo; fixa-lhe o olhar e, neste, procura mostrar o instante em que o retratado parece aperceber-se do seu futuro, imediato ou protelado, de qualquer modo transcendendo as circunstâncias, quaisquer que elas sejam.

O fotógrafo dedica-se, pois, a uma arte inoficiável, por teimar em revelar os homens na sua humanidade.

Se um retrato fala de retratado, fala também do retratista. Portanto, em cada imagem, há um confronto implícito entre duas pessoas. Em cada flagrante fixado pelo Pedro, adivinho o retratista numa atitude de quem poderia dizer: «Estou aqui para mostrar, a ti próprio e a toda gente, a liberdade que te define». E o retratado sorri.

 

Rui-Mário Gonçalves, 2008

 

 

 

 

CATÁLOGO

 

1. Eléctrico 28, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 90 x 60 cm

2. S. Vicente de Fora - pormenor da fachada, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 45 x 33 cm

3. Pátio do Carrasco, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 45 x 33 cm

4. Traseiras do Teatro S. Luis, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 45x 33 cm

5. Igreja dos Paulistas — Galilé, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 45 x 33 cm

6. Basílica da Estrela — entrada, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 98 x 65,5 cm

7. Le Rouge Gorge - Paris, 1998 - impressão fotográfica s/ papel, 45 x 30 cm

8. Beco do Colégio dos Nobres, 1999 - impressão fotográfica s/ papel, 75 x 50 cm

9. Rua da Escola Politécnica, 1999 - impressão fotográfica s/ papel, 75 x 50 cm

10. Traseiras do Palácio Seia, 1999 - impressão fotográfica s/ papel, 75 x 50 cm

11. Prédio na Praça da Alegria (de F.J. de Campos), 1999 - impressão fotográfico s/ papel, 75 x 50 cm

12. Rua de S. Marçal, 1999 - impressão fotográfica s/ papel, 75 x 50 cm

13. Seres em regime semi-aberto I, 2001 - impressão fotográfico s/ papel, 40 x 30 cm

14. Seres em regime semi-aberta II, 2001 - impressão fotográfico s/ papel, 40 x 30 cm

15. Seres em regime semi-aberto III, 2001 - impressão fotográfico s/ papel, 40 x 30 cm

16. Seres em regime semi-aberto IV, 2001 - impressão fotográfico s/ papel, 40 x 30cm

17. Seres em regime semi-aberto V, 2001 - impressão fotográfica s/ papel, 40 x 30 cm

18. Seres em regime semi-aberto VI, 2001 - impressão fotográfica s/ papel, 40 x 30 cm

19. Seres em regime semi-aberto VII, 2001 - impressão fotográfica s/ papel, 40 x 30 cm

20. Seres em regime semi-aberto VIII, 2001 - impressão fotográfica s/ papel, 40 x 30 cm

21. Seres em regime semi-aberto IX, 2001 - impressão fotográfica s/ papel, 40 x 30 cm

22. Seres em regime semi-aberto X, 2001 - impressão fotográfico s/ papel, 40 x 30 cm

23. Le 14 Juillet — Paris, 2002 - impressão fotográfico s/ papel, 45 x 30 cm

 

Camara Municipal de Tomar agradece ao Museu da Carris e aos Livros Horizonte a colaboração amavelmente prestada.

 

 

 

O artista e a obra

Pedro Soares nasceu em Janeiro de 1948, em Lisboa. E é ele que se biografa:

“1958/1966 – Estudos Secundários em Almada e em Setúbal. Frequentes mudanças de ambiente familiar e escolar. Primeiras refilices anti-autoritárias. Paixões assolapadas. 1967 – Instituto Comercial de Lisboa; experiência fracassada. Vida boémia. Mar, tabaco, Herbet Marcuse. 1968 – Continuação da vida boémia. Teatro, Zeca Afonso, medo da PIDE, Rádio Moscovo. Namoricos. 1969 – Noitadas. Convívio com operários, intelectuais e outros párias. Vida militar, guia de marcha para Bissau. Chegada a Paris! 1970/1974 – Valsa musette, língua francesa. Estudos de economia, vida de ardina, etc. e tal. Crises de identidade. Viagem a Roma. Amizades e muitas paixões. 1974 – MFA: Regresso ao quartel. Nascimento de uma esperança, uma mulher portuguesa. Paixão violenta. A grande aventura da revolução social. Poesia inexcedível. Outros saberes de experiência feitos. 1980 – Berlim. Amor: uma flor e um fruto. Mais passeios, com tempo frio em latitude elevada. Começam as fotografias. Contra-Revolução. Desemprego. É tempo de trabalhar. Imagens, Imagens, Imagens…”

Fotógrafo profissional, membro do IFPO – International  Freelance Photographs Organization, realizou as seguintes exposições individuais: “Lisboa by lights” – Residence Palace – Bruxelas (Outubro 1992), “Luzes às Cores” – Cine-Teatro S. João – Palmela (Março 1993), “Lisboa às Cores” – Montepio Geral e “Personagens e Intérpretes” – Bom Início – Lisboa (Março 1994), “Lisboa” – Bar Tertúlia – Lisboa (Abril 1994), “Moita, Cores Fugidias” – Mutualidade da Moita (Setembro de 1995), “Lisboa Luz” – Montepio Geral – Lisboa (Janeiro de 1998), “O Eléctrico 28, Crónica de um percurso” – Casa do Risco – CM Lisboa (1998), “Magra Dança”- Festival de Sintra, Seteais (Agosto 1999), “Sentimentos d`Um Ocidental”- Vistas de Lisboa – Fórum Schlumberger / Mountrouge / Paris (Janeiro de 2001), “Transforma-se o amador na cousa amada” – Monumentos ao 25 de Abril de 1974 – Cine-Teatro S. João – Palmela (Abril 2001),”Monte Olivete – minha aldeia” – Museu da Água – Príncipe Real, Lisboa (2001).

Colaborou na realização de “Formas de Liberdade – O 25 de Abril na arte pública portuguesa”, texto de Arlindo Mota/Edição Montepio Geral, Lisboa. Ilustrou as obras de José-Augusto França: “O Elécrico 28 – Crónica de um percurso”, Edição Livros Horizonte, Lisboa, 1998 e “Monte Olivete – minha aldeia”, Edição Livros Horizonte, Lisboa, 2001.

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