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Imagem da Capa: Pittsburg, 1971
Nadir Afonso, inteiramente dedicado à pintura é, por assim dizer, um exemplo de permanência e de inteireza também. Quantos da sua geração, que é a minha, ficaram pelo caminho ou procuraram vários, mudando de direção, derivando ou perdendo-se em habilidade (ou habilidades), segundo modas, supondo estarem a responder a interrogações próprias? Nadir não foi com certeza o único a seguir um itinerário lógico e certo consigo próprio – mas não haveria muitos nomes a citar nesta condição.
Trata-se de um obcecado – diga-se. E só assim, num empenho de vida, isto é de alma e corpo, uma arte pessoal se faz, através do tempo. De trinta anos já, se descontarmos aqueles contados desde 1945, que foram de buscas e hesitações – manifestadas ainda nos quadros expostos recentemente em Lisboa, na «Arte dos Anos 40», nos quais Nadir se abeirava do que iria ser o seu caminho, ainda procurando numa poética de parentesco surrealisante, «atrasada» então em relação às afirmações do seu companheiro Lanhas.
Depois, porém, encontrado o caminho necessário, Nadir Afonso não se deteve mais e, de quadro para quadro, a sua ideia de “espacillimité” teve soluções coerentes, desde a tela sem-fim que rodava, em 1959, na Galeria des Beaux-Arts, até ao jogo dinâmico de sinais surpreendidos hoje (e desde à uma dúzia de anos já) num momento privilegiado que assegura a sua composição e lhe dá razão. Ou seja, necessidade.
Se uma palavra pudesse classificar a pintura de Nadir, seria esta: «necessidade», e no duplo e necessário sentido, para o artista e para a obra na sua função comunicante, sentido poético e sentido estético, numa coerência rara. Espreita o arquiteto nesta «Heliopolis», nesta «Bruxelas», nesta «Florida», neste «Cabo Ruivo», vistas estruturais dos sítios referidos? Sem dúvida, por prática de pensar – mas o arquiteto é basicamente pintor, isto é, como tal vê a realidade dos sinais que a paisagem urbana ou fabril lhe oferece, sendo o seu processo mental duplo e revertido. Vê como pintor, elabora como arquiteto, exprime como pintor de novo, fazendo a pintura que faz, sem se perder pelo caminho. Sem poder perder-se.
O seu empenho, assim inteiro, vai também à escrita. Isto é, outra raridade ainda: a de um pintor que se debruça sobre os fundamentos da sua criação, não em termos de apreciar o que faz o vizinho do lado, mas de tentar entender o que é que ele próprio faz.
José-Augusto França (1982)
Devido aos seus estudos de Arquitetura, Nadir trabalhou, desde 1946, no atelier de Le Corbusier, enquanto estudava pintura na Escola de Belas Artes de Paris e com Fernand Léger. Em 1948, veio à Escola de Belas Artes do Porto, para defender uma tese intitulada “A Arquitetura não é uma Arte”. Voltou a trabalhar com Le Corbusier em 1951, e com Óscar Niemeyer, de 1952 a 1954 no Brasil.
No seu regresso a Paris, em 1954, aproximou-se da Galeria Denise René, onde veio a expor em 1956 e 1957, com referência crítica de José-Augusto França na revista “Art d’Aujourd’hui”.
Nadir contava-se, a partir de então, entre aqueles que, no abstracionismo enraizado em Mondrian, aprofundavam o entendimento moderno da pintura concebida como imagem de ritmo. Para além do “boogie-woogie” representado pelo grande instaurador do abstracionismo geométrico, os parisienses acentuavam nas suas pinturas a presença da dimensão “tempo” de modo físico. Assim nasceu o “Cinetismo”, com movimento real em objetos como o de Nadir, ou com movimento virtual como nas pinturas planas do mesmo Nadir, de Vasarely e outros.
Se, na fase ortodoxa dos anos cinquenta, o ritmo derivava da repetição de formas geométricas bem definidas e conhecidas (euclideanas), agora estas apenas aparecem de quando em quando, nos cruzamentos das linhas. Desta maneira, fica à mostra o processo da sua génese.
Talvez nunca como nos últimos anos a técnica de Nadir se tenha aproveitado tão bem dos contrastes, das posições situacionais das cores e dos seus variados valores. Chamo em especial atenção para a cor azul, escura ou clara, que mantém sempre o seu carácter tímbrico e se fortifica quando está rodeado por branco. Ora, Nadir parte sempre de um suporte branco e oferece-nos agora em enérgicos traçados, uma ampla variação de valores luminosos de um mesmo azul em cada composição.
Rui-Mário Gonçalves (2007)
A obra de Arte como toda a forma de criação obedece, às leis da Natureza pressentidas através duma perceção sensível. A dificuldade consiste em compreender a partir desses princípios naturais, as vias de formação do seu objeto concreto e o correspondente reflexo sobre as diferentes sensibilidades percetivas. Porquanto não há uma evolução única. Cada sistema constitui-se segundo a sua lei particular assim como todo o sujeito possui a sua receção própria.
Ora se pretendermos ser, um pouco que seja, estetas racionais, devemos pelo menos reconhecer que existem na arte leis naturais que a regem e que podem e devem constituir objeto de estudo.
A geometria da arte apresenta leis próprias imanentes aos espaços em si. O quadrado envolve uma lei relacionada com o facto de haver quatro pontos equidistantes do ponto central, no círculo também há uma lei dependente de haver uma sucessão de pontos periféricos à mesma distância do centro. Estas leis são o espetáculo de exatidão. Não há nenhum espetáculo no mundo que o supere. Ressoam no espírito, provocando emoções tão fortes com as emoções primitivas. Para mim essa beleza do círculo ou do quadrado é tudo. Um espírito recetivo a essas leis sente uma grande plenitude ao olhar as figuras que as revelam. Nem sempre isso acontece, Kant dizia que as formas geométricas provocavam nele um grande aborrecimento...
A imaginação pode identificar-se com a procura das leis, com uma antevisão das imagens. O que se passa é o seguinte: começo a trabalhar com figuras ainda arbitrárias. Em dada altura, já terei colocado dez formas sobre o quadro, olho para ele e subitamente salta uma espécie de faísca. Aparece então a forma tateada.
O quadro é que me informa. As minhas primeiras figuras são arbitrárias, mas à medida que se criam tensões, relações geométricas entre elas, pouco a pouco o quadro passa a funcionar como uma espécie de “puzzle”, e a última forma já não é arbitrária, é solicitada por uma série de tensões, de relações geométricas que a exigem. A forma só pode então ser aquela e mais nenhuma outra. É por isso que a pintura não é subjetiva, as leis são imanentes à pintura. Vou dar-lhe um exemplo. Um dia eu estava a pintar uma tela com espirais e faltava-me a última forma, a que ia fechar a composição. Vasarely entrou no meu atelier e mostrei-lhe a tela incompleta, onde faltava a forma final. Pedi-lhe que levasse o quadro e descobrisse essa forma que faltava e continuei por meu lado a procurá-la. Andámos nesta pesquisa um mês ou mais e uma ocasião encontrei-o e disse-me que já a tinha descoberto. Era a mesma que eu também tinha encontrado. Há afinidades sensíveis entre as pessoas que trabalham as formas.
Sou a única pessoa que parte do princípio de que há quatro leis essenciais na natureza, características da obra de arte: a lei da harmonia, que é a principal e específica, a lei da perfeição, a lei da originalidade e a lei da evocação. Tudo isto está desenvolvido no meu trabalho. Apesar disso e com o meu passado de pesquisa, por vezes eu sou solicitado na minha pintura à evocação dos objetos, mas isso não perturba a certeza que eu tenho, de que essa procura da perfeição, da evocação, ou da originalidade, não é o essencial, o que é o essencial é a lei da harmonia que realça as outras qualidades. A ilusão dos estetas, é por exemplo pensar que pelo facto de ter um sorriso enigmático, a Gioconda transmite a interioridade do artista, a sua alma.
Nadir Afonso
CATÁLOGO
1. Composição Irisada, 1950
Óleo sobre tela
97 x 97 cm
2. Calcutá, 1954
Acrílico sobre tela
94,5 x 134,5 cm
3. Catedrais góticas, 1962
Óleo s/ tela
89 x 130 cm
4. Sintra, 1959
Óleo s/ tela
96 x 138 cm
5. Cristalis, 1983
Acrílico sobre tela
94 x 138 cm
6. Montreal, 1984
Óleo sobre tela
93 x 120 cm
7. As Pontes de Leninegrado, 1989
Óleo sobre tela
92,5 x 122 cm
8. Cíclades, 2002
Acrílico sobre tela
94 x 138 cm
9. Nova Iorque, 2003
Acrílico sobre tela
94 x 138 cm
10. Limassosol, 2006
Acrílico sobre tela
92 x 141 cm
11. Saga, 2006
Acrílico sobre tela
91 x 133 cm
12. Chicago, 2007
Acrílico sobre tela
88,5 x 138 cm
13. Procissão em Veneza, 2002
Guache sobre papel
28 x 36 cm
14. Dusseldorf, 2003
Guache sobre papel
27 x 29,5 cm
15. Finlândia, 2007
Guache sobre papel
27,3 x 33 cm
16. Pequim, 2007
Guache sobre papel
26,5 x 40 cm
17. Kuala Lumpur, 2007
Guache sobre papel
29 x 40 cm
18. Seattle, 2008
Guache sobre papel
27,5 x 34 cm
19. Toronto, 2008
Guache sobre papel
23 x 37 cm
A Câmara Municipal de Tomar agradece ao artista colaboração amavelmente prestada.
O artista e a obra
Nadir Afonso nasceu em Chaves em 1920. Diplomou-se em Arquitetura na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Em 1946, estuda pintura na École des Beaux-Arts de Paris, e obtém por intermédio de Portinari uma bolsa de estudo do governo francês. De 1946 até 1948 e em 1951 foi colaborador do arquiteto Le Corbusier, nomeadamente no projeto da cidade radiosa de Marselha, e serviu-se algum tempo do atelier Léger.
De 1952 a 1954, trabalha no Brasil com o arquiteto Óscar Niemeyer. Nesse ano, regressa a Paris, retoma contato com os artistas orientados na procura da arte cinética, desenvolvendo os estudos sobre pintura que denomina “Espacillimité” e faz parte do grupo da Galeria Denise René juntamente com Herbin, Vasrely, Mortensen.
Na vanguarda da arte mundial expõe em 1958 no Salon des Réalités Nouvelles “espacillimités” animado de movimento. Em 1965, Nadir Afonso abandona definitivamente a arquitetura; consciente da sua inadaptação social, refugia-se pouco a pouco num grande isolamento e acentua o rumo da sua vida exclusivamente dedicada à criação da sua obra.
Nadir Afonso realizou numerosas exposições individuais desde 1949, em Lisboa e Porto, em Paris (desde 1956), no Brasil (Bienal de S. Paulo, 1969) e em museus e galerias de Portugal.
Prémio Nacional de Pintura em 1967 e Prémio Amadeo de Souza-Cardoso em 1969. Medalha de ouro da cidade de Chaves, membro da Ordem Militar Santiago de Espanha e da Academia Nacional de Belas-Artes. Homenageado por ocasião dos 25 anos da Bienal de Cerveira em 2003 e atribuído o prémio Nadir Afonso na 2ª feira de Arte Contemporânea do Estoril.
Sobre Nadir Afonso foi realizado um filme da autoria de Jorge Campos para a Radiotelevisão Portuguesa.
Está representado em Museus de Lisboa, Porto, Amarante, Rio de Janeiro, S. Paulo, Budapeste, Paris (Centre Georges Pompidou), Wurzburg, Berlim, entre outros.
Nadir Afonso tem várias obras publicadas sobre estética – como «La Sensibilité Plastique» (Paris, 1958), «Les Mecanismes de la Création Artistique» (Neuchâtel, 1970), «Les Sens de l’Art» (Lisboa, 1983), «O sentido da Arte» (Lisboa,1999), « Universo e Pensamento» (Lisboa, 2000), «Van Gogh» (Lisboa, 2002), «Erradas Crenças e Falsas Críticas» (Lisboa, 2005).
Nadir Afonso dispõe da mais vasta bibliografia que em Portugal tem sido sobre a obra de um artista contemporâneo.
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