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Imagem da Capa: Quilleboeuf na foz do Sena, 1981-82

Julho – Setembro 2009

Manuel Casimiro 34ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

1 – Toda a forma tem o seu lugar num mundo O mundo é a cidade de Quilliboeuf na embocadura do Sena, sítio em que a água se despede da terra que a aprisionava nas suas margens, (...)

MUNDO LUGAR FORMA

Em cada ponto da sua superfície, o mundo perceptível torna-se o Olho, sede da alma.

Hegel

 

1 – Toda a forma tem o seu lugar num mundo

O mundo é a cidade de Quilliboeuf na embocadura do Sena, sítio em que a água se despede da terra que a aprisionava nas suas margens, para se tornar coisa sem limites, aberta às leis turbulentas da alta natureza. O mundo está no seu próprio fim e a cidade é um fantasma luminoso, miragem a que se agarra o último luzir dum sol que o mar já absorve. Céu e mar são dois infinitos que devoram a terra miserável dos homens construtores de catedrais, de pontões, de faróis. Mas uma forma se desenha sobre a imensidade informal; é negra como um animal vindo de longe, negra e nítida como um sol por demais fitado. Como a morte em visita, ela ocupa o seu lugar. E ficará, atravessando lentamente um canto do céu, segundo uma curva sábia e predeterminada, até deixar o espaço que um pintor lhe tinha oferecido num tremor de imagens, dom possível e último de um mundo em que nada se passa («uneventful» - Turner). Em que o nada vê passar o nada, até ao fim de si próprio…

2 – Todo o lugar tem a sua forma num mundo

… que se assume no nada, grande vazio branco que o animal vai esconder, como se avançasse sempre, lentamente, tranquilamente, para o observador. Até encher de nada o espaço oferecido.

E o animal guarda os limites que a imagem primeira dera, para que o transbordamento fatal e inútil não aconteça. A aventura segue o seu caminho: a forma deixara o enquadramento, e a ele volta para procurar o seu lugar neste vazio indesejável, cheio da sua substância opaca, antes que caia a noite. Até ao pleno negro, por demais cheio da natureza negada. A metáfora do lugar ganha corpo no mundo a partir do nada, estando segundo de uma vista de mar e de céu ardendo sobre o fim da terra. Uma forma o tinha animado, e ela desaparecerá com esta forma para se tornar branca sob a sua sombra negra, dia e noite enfim reencontrados, no recomeço de tudo.

 

 

3 – Todo o lugar tem o seu mundo numa forma

O pequeno animal redondo continua a atravessar o espaço vazio, mas não cresce mais: segue sempre a sua órbita e dança no ar gelado. Ele transporta o seu próprio lugar que ocupa um canto sucessivo do mundo. Seguro dele próprio, ele voa, quer lhe tenha dado o homem uma imagem pretexto, quer nada lhe tenha sido oferecido.

Ele é o seu próprio voo determinando o espaço, porque a sua forma assume sempre o vazio que escava. Turner sabia que «o espaço seria fácil de atingir se o vazio quisesse, simplesmente, deixá-lo». O animal abandona uma vez mais Quilleboeuf. Mas, se ele desaparece de seu céu de vapores, volta sobre um céu embranquecido, correndo com uma outra velocidade, como um «boomerang» de fogo negro. A ocultação final realiza-se então a partir do mundo exterior, no sítio em que as águas e a terra iluminada se tornam um mundo vazio que encontra o seu lugar no ventre total que lhe dá o sentido possível e nos protege a todos. Porque

 

4 – Todo o mundo tem o seu lugar numa forma

E nos olha         

                                                

José-Augusto França, Colóquio Artes nº64, 1985

 

 

Casimiro procede por série. No decurso dos anos 70, as «estruturas» determinavam tábuas harmónicas, com irregularidades. As séries são, pelo contrário, melódicas, formando no conjunto uma continuidade de variações sobre o tema, que é dado pela série I (das composições Turner / Quilleboeuf).

Esta é formada por oito reproduções idênticas do quadro de Turner, e sobre cada uma delas o ovoide negro de Casimiro ocupa uma posição diferente. A cada uma das posições ordenadas de 1 a 8 corresponde um grau num movimento ascendente ao longo de «turner 2». Chamemos motivo «Casimiro» a esta “imitação” pelas notas negras da linha de “imitação” do motivo «turner». E convenhamos de notar os graus ordenados sobre esta oitava respectivamente pelas letras c, a, s, i, m, i, r, o.

Os resultados das transformações são as combinações. A arte posta em jogo nestas variações é a arte combinatória, a que rege a música de Bach e de Schönberg, a metafísica e a matemática de Leibniz, a poética de Butor, a plástica de Duchamp…

Jean François Lyotard,1985

 

 

 

O Ponto Cego

Em fisiologia ocular chama-se «ponto cego» a essa espécie de mancha, ao mesmo tempo vazia e plena que nos permite ver. Manuel Casimiro descobriu, através de um questionamento obsessivo da nossa relação com o enigma sempre resolvido da forma pictural, o seu ponto cego. Menos para «ver» a pintura, sempre em excesso visível, que para desorganizar a percepção espontânea dela. Não se imagine que Manuel Casimiro releve, em qualquer grau, da grande contestação das aparências serenamente negadas e reafirmadas que tem lugar na arte óptica. Casimiro não é um artesão aplicado com sucesso aos jogos inocentes e perversos da ilusão ocular. A sua genealogia é outra, a dos que fascina, geómetras do imprevisível, o jogo da repetição aleatória e controlada de que a cor-forma é apenas a expressão e o suporte. Genealogia exigente na sua obsessão de recorrência e de redução ao elementar que de Cézanne, por radical ascese, se autonomiza, com aspecto de experiência-limite, em Mondrian. Foi no espaço redefinido por esta experiência-limite – como a de Marcel Duchamp a única que merece tal nome – que o encontro de Manuel Casimiro se operou e é nele que a sua particular maneira de viver a «pintura», redefinindo-a e redefinindo-se através dela, se tem processado.

«Le jeu vaut-il la chandelle?» Esta interrogação faz parte do próprio jogo proposto. Não tem resposta. Ou não tem outra que a da coerência em virtude de qual acabou por se impor para a solução de um impasse que está no centro mesmo da nossa relação com a Pintura. Mas igualmente com tudo o mais. A cada um o seu «ponto cego», abertura misteriosa necessária à revelação do filme da realidade corroído pelo sol da evidência.

Eduardo Lourenço, 1985

 

 

 

O artista e a obra

Nascido no Porto em 1941, Manuel Casimiro não teve uma formação artística académica. No entanto, em 1976/77 foi, na qualidade de bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, fazer investigação nas artes visuais em Nice, França, cidade onde permanecerá por mais de dezoito anos. Durante este exílio voluntário, viaja pela Europa e Estados Unidos (viveu em Nova Iorque em 1978/79) e relacionou-se com um conjunto de intelectuais como Eduardo Lourenço, Michel Butor, Vicent Decombes, Jean-François Lyotard, Raphael Monticelli, Pierre Restany ou J.-N. Vuarnet que mais tarde escreverão sobre o artista.

Numa continuidade assinalável, a produção de Manuel Casimiro é atravessada por uma reflexão sobre as especificidades do suporte pintado e do próprio ato percetivo.

Cerca de 1968, influenciado pela filosofia oriental, sobretudo pelo taoísmo, inventa uma forma de sugestão ovóide que se tornará denominador comum na sua obra.

Até 1975, explorando as dicotomias lógica-ilógica, organização-desorganização, pretos ou coloridos, os ”ovoides” de Casimiro operam sozinhos no espaço do suporte. Depois dessa data, passam a apoderar-se das fontes iconográficas mais diversas, ocupando os espaços vazios que nelas encontram. Recuperando uma certa noção de “ready-made”, que o aproxima de algumas manifestações Neodadaístas, Manuel Casimiro questiona o estatuto histórico e simbólico das imagens de que se apropria. Nessa tendência, refira-se a título de exemplo as suas intervenções sobre reproduções da Bandeira Nacional, das Demoiselles d`Avignon de Picasso ou do Quilleboeuf na Foz do Sena de Turner. De quando em vez, os mesmos ”ovoides” abandonam a superfície do suporte e tornam-se protagonistas de instalações.

Desde a primeira apresentação pública em 1968 na Galeria 111, contam-se no seu currículo mais de quarenta exposições individuais em Portugal e no estrangeiro. A Fundação de Serralves organizou-lhe uma retrospetiva em 1996 e recentemente o Museu da Coleção Berardo apresentou a exposição Caprichos. Nela se mostraram gravuras de Goya com intervenção plástica de Manuel Casimiro e contributo poético de Michel Butor. Em coletivo, marcou presença em mais de oitenta exposições em Portugal, Alemanha, Bélgica, França, Inglaterra, Suíça, Brasil, Japão e E.U.A..

Entre outras, está representado na coleção da Fundação de Serralves, do Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, do Centro Galego de Arte Contemporânea (Santiago de Compostela), do Museo Extremeño e Ibero-americano de Arte Contemporâneo (Badajoz), do Museu de Arte Moderna e Contemporânea de Nice, do Museu Municipal João de Castilho, Núcleo de Arte Contemporânea – Doação José-Augusto França.

 

CATÁLOGO

 

 

1. Jogo, 1972

Acrílico s/tela

100x100 cm

Col. do Autor

 

2. Estruturas, 1973

Acrílico s/tela

112,5x130 cm

Col. do autor

 

3. Copie inexacte d`un dessin signé Manuel Casimiro daté 1969, 1984

Acrílico s/papel marouflé

57x78 cm

Col. do autor

 

4. Mar Português, 1987

Acrílico s/tela

130x196 cm

Col. do autor

 

5. Sem Título, 1991

Acrílico s/tela

54x65,5 cm

Col. do autor

 

 6. Sem Título, 1991

Acrílico s/folheado de madeira

20x14 cm

Col. do autor

 

7. Vazio e Plenitude, 2002

Acrílico s/tela

145x115 cm

Col. do autor
8. Vazio e Plenitude, 2002

Acrílico s/tela

145x115 cm

Col. do autor

 

9. Chocolate, 2004

Acrílico s/tela

200x130 cm

Col. do autor

 

10. Vaso da Antiguidade Chinesa – O vazio e a Forma, 2006

Acrílico s/tela

54x65 cm

Col. do Autor

 

11. Vaso da Antiguidade Chinesa – O Vaso e a Forma, 2006

Acrílico s/ tela

54x65 cm

Col. Do Autor

 

12. Projeto 1 para o “Quillebouerf” à L’Embouchure de la Seine”, 1981/ 82

Tinta da China s/ ready-made de Turner

8 elementos cada um com 69,9x91,3 cm

Col. Fund de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Porto

 

13. El Princípio Baltasar Carlos, 1976/ 1996

Fotografia

187x232 cm

Col. Autor

 

14. Judite e Holoferne, 1979/ 1994

Fotografia

200x166 cm

Col. Autor

 
 

  

A Câmara Municipal de Tomar agradece à Fundação Serralves – Museu de Arte Contemporânea e ao autor, a colaboração amavelmente prestada.

 

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