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Imagem da Capa: Grupo 16

Maio – Agosto 2001

Manuel Amado 6ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

Uma Pintura de Evidência Pode uma história ser contada no interior destes cenários vários de personagens, deserto de paredes num deserto de tempo? Pergunta de resposta tão fácil que…

Uma Pintura de Evidência

Pode uma história ser contada no interior destes cenários vários de personagens, deserto de paredes num deserto de tempo? Pergunta de resposta tão fácil que…

É que, nesta pintura de evidência, algo se esconde ao espectador como uma amatilha tendida que no infinito se prolonga. Pintura sem fim, se dirá então, para além da sua transposta aparência feita de três paredes de perspetiva que o pintor sabe formular por assim ter, como arquiteto, aprendido. Diante dele, mesmo que o ponto de fuga se desloque de um lado a outro lado, o espaço fecha-se, por natureza da figuração que assim o situa; enquanto, por detrás de quem pinta, o espaço livre circula, cheio de gente invisível, de árvores, montes e mares, de luzes e de sons, de toda a natureza que o cenário ignora ou recusa – metafísico que é, como se assim o pintor o tivesse feito. Mas fê-lo ele ou antes se fez, a si próprio, o cenário?...

 A facilidade da resposta ao princípio possivelmente imaginada nesta situação se coloca de dificílima maneira – que é a de todas as respostas a todas as perguntas que as imagens podem alguma vez transportar, no tempo que sobre elas passe. Tão diferentes são os tempos, da pintura e do espectador…

 Um cenário vazio como esperando o que possa acontecer-lhe, eventualidade de drama ou peripécia, é o que é – e, sendo-o, separa-se da ação figurativa de quem observe ou adopte ou invente.

A metafísica é sua, como a evidência que oferece: não vem de qualquer classificação estética, produto de um processo mental exterior, mas da sua própria categoria interna. A técnica deste pintar é, por isso, lisa e impessoalmente serena, de luz igual, angular, na sua bastante aparência – como se nada o pintor quisesse acrescentar à imagem em si própria nascida, na simplicidade dos elementos cenográficos, que outros não poderiam nunca ser. Os valores que ele observa à volta, já em pintura os vê, como se em pintura nascessem. Um quadro nasce assim por ter nascido: nenhuma vidência neste pintor, mas uma evidência nesta pintura…

Ela tem isso de bom e tem isso de mal: no primeiro caso, para quem olhar o quadro como aquilo que um quadro sempre é e tem que ser; no segundo, para quem quiser acrescentar-lhe algo que não lhe falta. A metafísica da pintura de Manuel Amado está nela própria, não em adjunções poéticas ou filosóficas, por simbolismo de literária precisão. Trata-se, em boa e merecida verdade, de uma pintura inocente. Contem-se depois, dentro dela, as histórias que se quiser, de efabulação nocente, ela sim – como todas as efabulações são.

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Depois disso, que interesse terá o que possa passar-se, entre pessoas e personagens inúteis, em seus dramas achadas ou perdidas? Inventar a resposta, no deserto proposto e no tempo igualmente vazio, seria tombar na armadilha da facilidade de todas as histórias. Que nos bastem então as não-histórias que invisivelmente habitam o espaço silencioso e o tempo suspenso de toda a gente – quando são oferecidas evidências em que o olhar do espectador se move, numa própria e irredutível, pintada metafísica.

José-Augusto França (1997)

 

 

 

Toda a pintura é memória. Não memória disto ou daquilo – que é apenas, quando se fixa em algo, o domínio do lembrar, com a precisão de detalhe que tem, por exemplo, a fotografia – mas a expressão, talvez a mais alta, da própria forma da memória. É por isso que pintar é, sempre, interpretar.

A memória não é, em si mesma, precisa. Ela é como um continente difuso, vasto, vário. Ela sobrepõe, recorta, apaga, induz, aperfeiçoa, sinaliza, inscreve e reinscreve.

A memória não corresponde à ordem da natureza, mas participa, antes, da ordem da realidade ou da cultura. Da realidade, ou seja, daquilo que é já construção do humano, interpretação, isto é, forma de perceber a natureza.

Digo-o agora de outro modo: toda a pintura é memória, ao mesmo tempo de si mesma, da sua história, dos seus gestos, das suas visões, das formas recorrentes que tomou, mas sobreposta, em cada pintor que de facto o é, ou acrescentada, de uma nova memória, que é resultado de uma soma entrecruzada da sua mesma com toda a memória da pintura. Por isso também é que nunca acaba o trabalho da pintura.

Mas é também por essa razão que em pintura – como, de resto, em literatura – nunca se inventa propriamente nada, mas antes se acrescenta, se rasura, se corrige, de modo a que se possam reorganizar os dados essenciais da perceção. Justamente porque é memória, a pintura mobiliza, conjugadamente, as suas três ordens fundadoras: a da sensação, a da perceção e a do afeto.

O que Manuel Amado pinta, então, é a memória. Não tanto, volto a sublinhá-lo, a memória de alguma coisa precisa, mas a sua relação mais íntima e fecunda com a memória. Mas a memória é o território da transfiguração e, assim, o que nos seus quadros vemos é a visão de uma realidade transfigurada. Por isso já se falou, a seu respeito, de Hopper, de pintura metafísica ou de Magritte.

Nestes quadros, como em quase todos os do Manuel, o tempo como que se suspende, ou se congela – é sempre uma estação solar, é sempre de manhã, é sempre dia -, e interiores e exteriores equivalem-se como palcos de aparentados valores lumínicos.

A memória do Manuel é, antes de tudo mais, uma memória da luz.

Não sei se alguém já o disse, mas que penso-o, a pintura de Manuel Amado é, na sua raiz, no seu coração mais íntimo, abstrata. Mesmo quando mais vivamente representa, e sobretudo quando mais veemente ela é na sua forma de representar, ela é abstrata. Isto é, matematizável, redutível a linhas de luz que nada significam senão o caprichoso diagrama desenhado pelos seus vivos contrastes.

Bernardo Pinto de Almeida

 

CATÁLOGO

 

GRUPO PINTURA

 

Grupo 6, (2001) 46x55, Óleo sobre tela.

Grupo 7, (2001) 81x65, Óleo sobre tela.

Grupo 8, (2001) 65x81, Óleo sobre tela.

Grupo 9, (2001) 65x54, Óleo sobre tela.

Grupo 10, (2001) 60x81, Óleo sobre tela.

Grupo 11, (2001) 55x46, Óleo sobre tela.

Grupo 12, (2001) 81x65, Óleo sobre tela.

Grupo 13, (2001) 81x65, Óleo sobre tela.

Grupo 14, (2001) 73x92, Óleo sobre tela.

Grupo 15, (2001) 73x100, Óleo sobre tela.

Grupo 16, (2001) 92x73, Óleo sobre tela.

Grupo 17, (2001) 73x100, Óleo sobre tela.

Grupo 18, (2001) 73x100, Óleo sobre tela.

Grupo 19, (2001) 46x55, Óleo sobre tela.

 

 

O artista e a obra

 

Manuel Amado nasceu em Lisboa em 1938. Licenciado em arquitectura pela ESBAL, logo depois se dedicou profissionalmente à pintura e realizou a sua primeira exposição individual em 1983 (Galeria S. Mamede, Lisboa). Desde então com grande regularidade, expôs vinte vezes em Lisboa e Porto, e em Washington (1987, 1988, 1990), em Madrid (1988, 1995), em Paris (1991, 2000), em Bordéus (1994). Entre outros locais, expôs na Feira ARCO de Madrid, na Casa Fernando Pessoa, na Fundação Oriente, no Palácio Galveias – Câmara Municipal de Lisboa, na Fundação Fronteira e Alorna e na Fundação Gulbenkian – Centro Cultural de Paris. Neste último local (e repetindo a apresentação no BCP em Lisboa) a exposição dos seus quadros, sobre o tema de “Inundação” (La Grande Crue), foi acompanhada pela publicação de poemas de Nuno Júdice: “Jeu de Reflets” – “Jogo de Reflexos” (ed. Chandeigne, Paris, 2000).

Títulos de exposições realizadas entre 1998 e 2001: “O Conventinho da Arrábida”, “O Jardim Encantado”, “A Casa de Mateus”, “Viagem à volta de uma Estação Abandonada”.

 

 

 

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