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Imagem da Capa: “Homem de Castanho” 1972

Outubro – Dezembro 2002

Luís Dourdil 11ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

Fernando de Azevedo apresentou, com palavras que ao lado se lêem, uma importante retrospetiva de Luís Dourdil nas Galveias, (...)

Fernando de Azevedo apresentou, com palavras que ao lado se lêem, uma importante retrospetiva de Luís Dourdil nas Galveias, na Primavera do ano passado; devíamos tê-la visitado juntos, mas acabou por não ser assim. Éramos ambos velhos amigos do pintor e teríamos falado dele aqui, a duas vozes, se, entretanto, e tendo concordado comigo na exposição de hoje, o Fernando não tivesse morrido também. O que ele escreveu do Dourdil e aqui repetiria seria bem parecido com o que eu vou escrever, ausente do país para poder dizê-lo de viva voz Infelizmente. Tristemente.

Os dois e pensando no terceiro, podíamos falar de uma pintura em que os três fomos formados — “Escola de Paris”, necessariamente, de depois da guerra, e vindo de trás, de cubismo em cubismo, como aprendemos, para experimentar e fazer, eles, por dentro, ou para ver, eu, por dentro também, que é maneira de ver pintura de outrém com a devida cumplicidade, de quem vê e dá a ver.

Deram-nos a ver todos os fautores de uma história de pintura ocidental que em Cézanne se refez, por via do espaço do renascimento. Poussin conforme a natureza, e os cubos, as esferas, as pirâmides — as pirâmides sobretudo, em que o ver se conhece e dá a conhecer. Até que o momento tenha chegado de aproveitar a dissolução impressionista da natureza para voltar a fazê-la, numa criação outra em que, agora, são os sólidos desejados que se desfazem, na dialéctica das suas ocultas forças...

Quem assim mais particularmente se situa é Jacques Villon. O Fernando di-lo, digo-o eu, e com certeza que ambos o dissemos ao Dourdil — que bem o sabia, ele que era da mesma e mui rara raça cultural. Uma sensibilidade austera, com uma leve ironia nas perguntas que cada forma fez à outra forma, capazes de serem corpos e gente lidando num quotidiano silencioso e discreto.

A pintura e o desenho de Luís Dourdil têm essas duas qualidades por essência, vindo donde vêem por educação de geração e passando através de situações diversas que foram de um expressionismo generalizado em várias posições da história da pintura — indo de Paris para Nova York e de lá voltando modificada para novas aventuras de muita imitação e modas, ao longo de duas gerações depois da do pintor que sossegadamente ficou igual a si mesmo. Igual mas vivendo num permanente e sincero interrogatório de pintura, para saber como era a sua vocação de pintor. “Escola de Paris”, na sua verdade, por outra nessa verdade não haver...

Mas, como em nenhum outro pintor da sua geração, que é ainda a “segunda” do modernismo nacional, numa “Escola de Paris” entendida necessariamente em Lisboa, pela naturalidade da sua afectação, e sem qualquer prática, que seria ilusória, de viagem ao estrangeiro parisiense. Viagem, sim, fê-la Dourdil no interior da sua permanente pintura, vendo as figuras dos painéis das defuntas C. R. G. E. de antanho, na sala de atendimento da Rua do Crucifixo (onde o pintor me levou a ver, para boa conversa, em anos 50) mudarem-se em outras, de definição diluída até à consciência da sua estrutura obviamente abstracta, ou nem uma coisa nem outra, por ambas ser, na enorme têmpera pintada numa parede do Café Império, defunto também no tempo em que cafés havia na cidade. E onde o pintor me levou, outra vez consigo, para ver e conversar...

Dourdil, modesto por temperamento, discreto por boa educação, nisso alheio a corridas e mercados que aliás a sua geração não teve a dita de conhecer, fez, no seu atelier dos Coruchéus (onde tantas vezes subi para ver, folhear e conversar, conversar) uma obra de dezenas e dezenas de desenhos, pegando sempre na mesma folha de 100 por 70, ou 86 por 61, e no mesmo carvão que ia gastando lentamente, em gestos precisos de mão e de olhar... Uma obra que importa situar em quase cinquenta anos de prática, numa história de pintura portuguesa atentamente olhada para além de pressas e êxitos de bilheteira.

(Jarzé, Outubro 2002) 

José-Augusto França

 

 

 

LUÍS DOURDIL OU A GEOMETRIA SENSÍVEL

... Luís Dourdil andou por estes meandros da "secção de ouro" e da "porta da harmonia" e de outras formulações da raiz aristotélica e paciólica, o bastante para aceitar e por ventura admirar a simbologia geométrica de Jacques Villon que muito preciosa lhe foi para essas difíceis abordagens. E andou o tempo bastante para saber usar esse relacionamento com a independência de quem aprende sozinho e sozinho solitariamente se encontra ( ...) Mas o seu abraço ou fala ou modo de sorrir eram, sem falha, tão imediatamente acolhedores! A solidão que me parece, tinha que ver com a batalha da pintura, da sua pintura, aquela que empreendia sozinho, sem outra companhia, sem grupo, um isolado, portanto, num tempo de escolha de grupos, de trajectórias contíguas, de definições, de emparceiramentos.

... Um pintor que, embora se visse, não se mostrava. E, no entanto, há aspectos, se não um dos aspectos mais definidores do seu trabalho, que se impõem não só por uma presença do monumental mas pelo desejo visível de que a pintura deveria ter essa finalidade, esse propósito social e subjectivo, deveria reatar esse diálogo mítico, essa emoção única de grandeza e de convencimento que coube, noutras épocas, à pintura mural. Pelo seu lado, cercado gostosamente em seu silêncio, Dourdil, fê­ lo sempre, ou pelo menos tentou-o sempre. Tentou-o desde o "Café Império", essa monumentalíssima e tão belamente ritmada composição, executada a têmpera na grande tradição do ''fresco", até pinturas bem menores ou simples desenhos, mesmo. O termo "composição" cabe aqui em lugar próprio, palavra perdida no desperdiçar ou abuso do ofício cometido por outros, submersa que foi no afogar das terminologias do ensino académico. Mas, neste pintor, a "composição"- a composição do quadro - entrou simultaneamente quer no ofício, quer na sua poética. Verdadeiramente, ela é a chave do quadro, o sentido primeiro, ou melhor, primordial.

Penso que, nesta ginástica oficinal, intelectualmente conduzida, Jacques Villon teria tido uma parte iniciática: mostrar-lhe, talvez, os caminhos da transparência e da opacidade e como essa relação se pode tornar espaço, espacialidade, em linguagem da pintura. E de como a geometria organiza maravilhosamente a condução do olhar. Ele e também Juan Gris, o cubista mais racional de todos, o qual dizia que de um rectângulo de cor ou de um plano fazia uma garrafa. O mesmo que Dourdil, à distância, fez com as figuras que foi encontrando numa espécie de "promenade" ritualizada ao sabor de uma simpatia humana desperta ao espectáculo da vida. Seres do acaso uns, vagabundos, "motards", corpos perdidos sem desejo num banco de jardim, vultos; ou outro lado da vida, a inteireza de um corpo de peixeira na sua ortogonalidade sensual, diálogos sussurrados de vendedeiras de mercado, belas como estátuas, seres todos eles, uns e outros de que um muro suporta a existência ou, não poucas vezes, a sofrida inexistência.

Por esse labirinto ocupado que são a composição e a cena de um quadro de Dourdil passa, sente­ se, ouve-se, um profundo silêncio. A força dramática da obra do pintor, vem porém, menos da expressão perseguida do que da sua meditada ausência e daí lhe vem, ainda, o tom grave que ganha. Alguma coisa desse silêncio e dessa gravidade assenta naqueles cinzentos, por vezes frios, com que enroupa a sua humaníssima figuração. É porém o amarrar de tudo isso que torna o incompleto da imagem na sua emotiva conclusão. Pintor do incompleto, dir-se-ia, Luís Dourdil é, finalmente um admirável pintor do silencioso achamento da totalidade.

(2001)   

Fernando de Azevedo

 

 

CATÁLOGO

 

A GEOMETRIA SENSÍVEL

 

1. Sem título 10. Sem título emparceiramentos.

a., 1969-1986, óleo s/ tela (113 x 70 cm)

 

2. Homem de Castanho

a., 1972, óleo s/ tela (112 x 72 cm)

 

3. Sem título

a., n.d., óleo s/ papel (75 x 53 cm)

 

4. Sem título (Barcos)

a., n.d., óleo s/ papel (69 x 49,5 cm)

 

5. Sem título

a., 1961, técnica mista s/ papel (35 x 30 cm)

 

6. Café Chiado

a., 1962, carvão s/ papel (29,5 x 28 cm)

 

7. Sem título

a., 1965, carvão s/ papel (100 x 70 cm)

8. Sem título

a., 1974, carvão s/ papel (100 x 70 cm)

 

9. Sem título

a., 1978, carvão s/ papel (100 x 70 cm)

 

10. Sem título

a., 1979, carvão s/ papel (70 x 100 cm)

 

11. Sem título

a., 1980, carvão s/ papel (100 x 70 em)

 

12. Sem título

a., 1980, carvão s/ papel (70 x 100 em)

 

13. Sem título

a., n.d., carvão s/ papel (58 x 38 em)

 

14. Sem título

a., n. d., carvão s/ papel (58 x 38 em)

 

15. Sem título

a., n.d., carvão s/ papel (64 x 50 em)

 

16. Sem título

a., n.d., carvão s/ papel (62 x 47 em)

 

17. Sem título

a., n.d., carvão s/ papel (61 x 86 em)

 

18. Sem título

a., n.d., carvão s/ papel (61 x 86 em)

 

A Câmara Municipal de Tomar agradece à Drª Ana Isabel Ribeiro, diretora da Casa da Cerca – Centro de Arte Contemporânea – Câmara Municipal de Almada a sua indispensável colaboração. E agradece também ao Dr. Luís Dourdil e outros colecionadores o empréstimo de obras.

 

 

O artista e a obra

Luís César Pena Dourdil Dinis nasceu em Coimbra em 8 de Novembro de 1914 e faleceu em Lisboa em 1989. Figurou desde 1935 em exposições colectivas, numa longa série que teve lugar sobretudo em Lisboa mas também no Porto, em Coimbra e Faro, no Funchal, e em Macau (1987), e que levou obras suas, em 1976 e 77 ao Brasil, à Suécia e a Madrid, e a Buenos Aires em 1987. Mais importante foi a sua presença na 5ª Exposição de Arte Moderna do SNI (1940), na Geral de Artes Plásticas de 1946, nos Salões de Arte Moderna da S.N. B. A. em 1960, 61 e 63, na Exposição AICA – 74, e na Exposição de “Arte Portuguesa no Anos 50” (realização de Rui Mário Gonçalves, Beja e S. N. B. A., 1993). Exposições individuais tiveram lugar em 1975 (E. S. B. A. L.), EM 1982 E 86 (Galeria do Diário de Notícias e Galeria Bertrand). Postumamente, porém, em termos de homenagem, a sua obra foi vista na Galeria 111 (1991), no Trem-Arco de Faro (2000), no Palácio Galveias – Lisboa (2001) e na Casa da Cerca – Almada (2002).

Na sua obra contam também os grandes painéis e pinturas ou desenhos murais que realizou em 1942 (30 m2, no hall C. R. Gaz e Eletricidade, Rua do Crucifixo), em 1945 (25 m2, no hall do Laboratório Sânitas, Lisboa), em 1952 (16 m2 na sala de honra do Cinema Império, Lisboa), em 1955 (48m2 no Café Império, Lisboa), e em 1967 (50 m2 no Restaurante Panorâmico de Monsanto). Prémios de Desenho da Casa de Imprensa (1965) e 1º Prémio de Pintura, na SEC, em Exposição de Homenagem a Almada Negreiros, 1984, e representação nos Museus do Chiado, da Cidade (Lisboa), de Amarante, de Coimbra, de Castelo Branco e no C. A. M. da Fundação Gulbenkian compõem o curriculum deste artista que foi bolseiro da F. C. G. para realizar uma viagem a Itália em 1976, a estudar pinturas murais. As suas exposições individuais foram apresentadas por Rui Mário Gonçalves, Eurico Gonçalves, Rocha de Sousa, Fernando de Azevedo; sobre ele escreveram ainda Adriano de Gusmão, Roberto Nobre, Mário de Oliveira, Lima de Freitas, Fernando Pernes, Nelson di Maggio, José Luís Porfírio e João Pinharanda, entre outros. Figurou no “Dicionário da Pintura Portuguesa” (Estúdios Cor, 1969-73), em “A Arte em Portugal no século XX” (J.-A. França, 1974), em “História da Arte em Portugal” (vol. 13, Rui Mário Gonçalves, 1986), “Arte Portuguesa do século XX” (Rui Mário Gonçalves, 1998), “História da Arte Portuguesa” (vol. III, 1995).

Primeira exposição inaugurada após o falecimento do Pintor Fernando de Azevedo, em Agosto passado, deve registar-se aqui, da parte de José Augusto França, de José Faria, e de todos os colaboradores do museu, uma palavra de comovida homenagem a este excelente Amigo.

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