Com o objetivo de melhorar os nossos serviços e a experiência de navegação, informamos que utilizamos cookies.
Aceitar
Recusar
Imagem da Capa: “Casario” 1956
Autodidata, como é inevitável numa terra sem escolas de arte, José Júlio realizou uma evolução serena e consistente, a partir dum conhecimento literário da pintura, inevitável também e pelas mesmas razões. Se o ponto de partida foi duvidoso, e, por modéstia natural, assaz limitado, cedo lhe veio o gosto manual, lhe cresceu a necessidade do experimentar e do concluir - e com isso uma invenção pictórica que foi exigindo novos riscos e novos desejos, e que naturalmente caminhou, interiormente se acertando com as invenções do tempo. Esse foi o grande mérito de José Júlio: de, tendo partido das literaturas de arte, ter atingido uma autenticidade de expressão pessoal, esta cada vez mais se sobrepondo àquela.
Apaixonado por Van Gogh e por Cézanne, José Júlio livrou-se dos perigos do primeiro e tirou do segundo consideráveis lições. Entre outros, o quadro que Diogo de Macedo lhe comprou para o Museu de Arte Contemporânea, com o seu espaço organizado realmente em torno dum renque de árvores fingidamente monoplanas, é prova do seu maduro entendimento. E alguns dos seus desenhos mais recentes, caligrafados com facilidade, bem construídos e vivos, não ignoram as aguarelas do mestre.
Pintor de transição, entre uma visão naturalista construtiva e uma abstração que é progressiva, e a si própria se provoca, num caminho lógico, José Júlio pedagogicamente nos pode explicar, através dos seus quadros, como se processou a arte do nosso tempo.
Pedagogia é palavra que convém a este homem a quem se deve uma notável obra de divulgação cultural e artística. Mas que ela não abafe, na leitura que dos seus quadros possamos fazer, o fundo lírico, simples e até por vezes algo ingénuo que poeticamente a caracteriza e humanamente a valoriza. É que, embora abordando tarde a pintura, José Júlio pôde preservar, no seu espírito amadurecido, uma paixão de juventude, e oferecer-lhe a qualidade, que na arte é bem visível, de uma pessoa sincera honesta e sensível.
(1959)
José Augusto França
José Júlio começou por ser — e foi-o sempre, afinal — um homem de estudo, de que a arte — a pintura, as artes plásticas, principalmente — veio a ser o suporte maior e a sua vinculação porventura mais profunda. O desejo de saber, de conhecer as motivações que ordenaram tanta modificação nos processos pictóricos desde o impressionismo e as respetivas implicações no pensamento estético, formaram o rosto e a dinâmica da sua pesquisa pessoal que, à medida da concretização desse conhecimento, por sua vez transmitia em percursos organizados de ensino e de comunicação livre. Possuía, formou-a ele, uma escolhida biblioteca de arte moderna que não raro, utilizava também a favor dos outros.
E, muito caracterizador do seu método, experimentou diretamente o que entendia dos mestres modernos que mais lhe diziam. É assim que vemos passar por Cézanne e a sua fragmentada e admirável unidade; por Picasso azul, antes do cubismo — há um “Arlequim” nas primeiras obras de José Júlio que não deixam dúvidas; por certa densidade vangoghiana, na aplicação tremenda da cor; pela modernidade teórica do pensamento de Klee e a sua original e poética conceptualidade. Podemos ainda, recuar (ou avançar, hoje) até Rembrandt e o seu prodigioso desenho e humaníssima visão do mundo. De todos estes artistas maiores, o pintor aceitou poderes para esclarecer e fundamentar a sua própria criação. E esta irá assentar e desenvolver-se menos no âmbito de uma figuração do que na construção de uma paisagem, a princípio e no prosseguimento, nos caminhos de uma pré-abstração que a tem por matriz, mas que cada vez mais, irá abandonando o apego figurativo substituindo-o por sinais e por uma aproximação à escrita. É aliás, o momento europeu dessa viragem: permanência de uma problemática da pintura, face aos jogos da abstração geométrica e à Pop-art e ao seu neo -figurativismo populista.
Ganham dimensão o abstracionismo lírico, o não geométrico, e a espacialidade gestual. José Júlio irá situar-se próximo destes novos ancoradouros, entretanto já assumidos na obra de alguns (raros) artistas nacionais. Bazaine, Vieira da Silva e de Staël eram exemplos de fora e a querela figuração-não figuração também estava acesa em Portugal.
José Júlio tornar-se-á uma figura dessa discussão e práticas, até porque as viveu intensamente em lugares em que elas tiveram assento e relevo: a cooperativa “Gravura” e a Sociedade Nacional de Belas Artes. Num lugar e noutro, onde teve responsabilidades diretivas, defendeu com intransigente consciência estética a mudança necessária e os seus valores emergentes. Ele próprio operou a primeira viragem, realizando em edições da “Gravura”, uma em 1959 e logo depois em 1960, as gravuras iniciais de uma nova linguagem sinalética. Fundador e diretor desta cooperativa de importância decisiva para a implantação da gravura moderna em Portugal, e pessoa de enorme generosidade e entrega de responsabilidades sociais, é grato lembrar que, a par da estima que por essa devotada ação merece, soube inovar no momento acertado, impulsionando uma linha de expressão, um tanto mal entendida, então, num meio mais nascido e mais afeito ao realismo social (...)
(2001)
Fernando de Azevedo
CATÁLOGO
1. Casario
a., 1952, óleo (71 x 65 cm)
2. Sintra
a., 1953, óleo (74 x 93 cm)
3. Natureza Morta
a., 1953, óleo (54 x 73 cm)
4. Ritmos
a., 1955, óleo (60 x 81 cm)
5. Arlequim
a., 1956, óleo (50 x 40 cm)
6. Paisagem
a., 1957, óleo (50 x 65 cm)
7. Abstracção
a., 1958, óleo (54 x 73 cm)
8. A Noite
a., 1960, tríptieo, óleo (100 x 200 cm)
9. Composição
a., 1960, óleo (44 x 54 cm)
10. Figura
a., 1961, óleo (81 x 72 cm)
11. Rebocador
a., 1961, óleo (60x81 cm)
12. Figura alada
a., 1961, óleo (57 x 70 cm)
13.Cais
n.a., s.d., fotografia
14. Fragatas
n.a., s.d., fotografia
15. Vela
n.a., s.d., fotografia
A Câmara Municipal de Tomar agradece a cedência destas peças à Família do Artista
O artista e a obra
José Júlio Andrade dos Santos nasceu em Lisboa em 1916 e aqui faleceu em 1963. Licenciou-se em Matemática e em Ciências Geofísicas na Faculdade de Ciências de Lisboa e foi professor na Escola depois Liceu Francês de Lisboa, tendo publicado obras de divulgação científica (“O Átomo na Filosofia, na Química e na Física”, 1946) e sido membro fundador da Sociedade Portuguesa de Matemática. Foi um dos fundadores do centro Bibliográfico, editora que publicou obras de António José Saraiva, José Gomes Ferreira, Eugénio de Andrade, José Cardoso Pires, seus amigos, em evidente escolha ideológica de esquerda, membro que foi do M. U. D. por isso sofrendo perseguições. Ao mesmo tempo, a sua educação musical, de família, levou-o à composição e à prática de piano, sobretudo para acompanhamento das irmãs Santos, que tiveram renome na Rádio. Interessando-se pelas artes plásticas, cultivou-se nesse domínio formando uma notável biblioteca e começou a praticar a pintura em 1949, na S.N. B. A., Trabalhando depois na Cooperativa A Gravura, de que foi um dos fundadores, sendo dirigente de ambas as instituições.
Expôs pela primeira vez individualmente em 1951 (S. N. B. A) e desde esse ano participou em numerosas exposições coletivas, como nas Exposições Gerais, desde a primeira, em 1956. Obteve prémios significativos, esteve presente nas duas exposições da Fundação Gulbenkian (de que foi bolseiro) em 1957 e 61, realizou mais exposições individuais, regularmente, graças a um trabalho dedicado e abundante, em 1953, 55, 57, 58, 59, 60 (em Francforte), 61 e 63, já póstuma.
José Júlio organizou também exposições didáticas, de arte moderna sobretudo, numa intensa atividade também de conferencista e de publicista, e foi um dos principais colaboradores do “Dicionário da Pintura Universal” (1959-1973). Em 1965, a S. N. B. A. realizou uma exposição de homenagem póstuma ao Artista, em 1979 foi o Museu de Évora a organizar nova exposição, que veio a Lisboa. Em 2002, mais de uma centena de obras foram expostas na S. N. B. A. por iniciativa de seu filho José Pedro de Andrade dos Santos, com um excelente catálogo documentado. O Artista está representado no Museu do Chiado, no Centro de Arte Moderna Azeredo Perdigão/F.C.G., nos Museus de Évora e de Bragança, na S. N. B. A. e no Núcleo de Arte Contemporânea do Museu Municipal de Tomar.
Gosto (0)