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Imagem da Capa: “Carta de Pero Vaz de Caminha” 1999

2ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho - Maio – Agosto 2000

José de Guimarães 2ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

… Seja o que for, o atelier de José de Guimarães é um grande Teatro. (...)

… Seja o que for, o atelier de José de Guimarães é um grande Teatro. Barroco, diz-se, por ser do mundo, e animado, em seu humor a sua violência. E a sua cor também, com alturas estridentes de tom e brilhos de lantejoulas. Mas, sobretudo, seus praticáveis, de espaços corridos ou alçados, onde a maquinaria de cena vem de outras máquinas, desaparecidas num grande vazio habituado por grandes bonecos, máscaras e fantasmas.

“Grande Teatro do Mundo”, o teatro de José de Guimarães vem de longe, em rituais sacros observados em África, lidos depois numa cultura ocidental que lhe afeiçoara os perfis, e retomados eroticamente em corpos de Rubens, ou numa história camoniana aos pedaços, por engenho e artes malabares de desventura e doidice; e de amor também.

Até pela pátria, na história mortal dum Dom Sebastião que sobe nos ares do Japão, papagaio da nossa glória havida…

Disso se fez capa neste número de «Colóquio/ Artes», na suposição de que a História é feita para avoar, mitos e aventesmas cujo colorido nos grande e console. Pobre do rei que foi mais do que os outros todos, e deu retrato mágico a Costa Pinheiro e estátua marreca a João Cutileiro, sempre por queixa da sua mal nascida segurança nacional!

Papagaio japonês, e depois em outros continentes, pelo mundo fora repartido, por diáspora de sonhos e misérias, em peregrinações trágico-marítimas, de humor malandro e desgraçados fins – Dom Sebastião 1º nasceu ideia e personagem de ópera de “puppi” neste vasto atelier com pé direito para levantarem voo todos os fantasmas da nossa farsa herói-cómica, da nossa pacata ilusão…

Da nossa dor, se diria, não fossem as cores que animam a cena, saltando de uma forma para outra, de personagem em personagem, de deixa em deixa. Com cores tais, José de Guimarães compões um outro poema, tão lusíada (“coitado!”) como os que se têm cantado, mas ao contrário, por sua própria e raivosa alegria. Bonecos de História, saltimbancos e arlequins, graves divindades de outros céus tropicais, ciclistas correndo, grossas damas fornicando ao gosto de Rubens, automóveis que devoram os clientes, por monstruosidade necessária – e tudo o mais que num Teatro cabe, por se do Mundo assim!

Eis os espaços do atelier de José de Guimarães, que pelo nome inicial da pátria não perca – nem (se) perde…

… Teatro, disse, com tudo isto metido lá dentro, em permanente e oficinal fazer-se; teatro duma “comédia” de sacripantas em que o grande Mundo vem dar que dizer – e o tempo passa, para trás e para diante, que assim passa sempre a História. Como de propósito, aos pés do velho castelo de toda a trama…

Teatro, disse – ou seja Festa, como a pintura (neo)portuguesa, por neofigurativa, precisava de ser, festa e não feira. E aqui, sim tem sítio algo mítico, pode dizer-se que único, original e universal.

José-Augusto França (1990)

 

 

… José de Guimarães, durante estes últimos anos, ao longo do conhecimento minucioso e apaixonado que desenvolveu sobre a arte negra, percorrendo a África e coleções de museus, deparou-se com a importância da linguagem simbólica na estrutura narrativa, e com a equivalência dos sinais na organização do espaço pictural. (…)

José de Guimarães elaborou, para seu uso, um alfabeto de sinais e com ele prepara, informa, o discurso pictural e metafórico. É possível inventaria-lo, encadeá-lo ao longo da sua já grande produção de pinturas a guache e acrílico. Verificá-lo e encontrar um variado leque iconográfico. Mas não é o importante, julgo. Interessa mais apercebermo-nos de como se vão perfazendo esses sinais, de uns para os outros, em metamorfoses cada vez mais conclusivas, mais originais e, ao mesmo tempo, fiéis ao seu nascimento formal ou regressando a ele.

Isolados, recortando-se na superfície plana ou desenvolvendo labirintos em imprevistas associações rítmicas, símbolos carnais e equivalem-se, no testemunho erótico, aos seus arquétipos, no testemunho erótico, aos seus arquétipos de sinal africano. A ternura envolve-se de monstros, os monstros são capazes de amor. Percebe-se que as antinomias são o debate do pintor, mergulhado largo tempo, como esteve, num meio que as agudizou, pontuando-as no dia a dia de um clima de luta, de drama e de violência. Por vezes o tom de acusação veste-se de humor, de um certo burlesco ou de uma agressividade intempestiva de que o hediondo irrompe, em nós, terrível, marcado de números, marcado de letras. Revolução e Repressão têm uma inicial comum. Na pintura de José de Guimarães o R sinaliza disformes pés negros e rostos negros que as máscaras rituais habituam, ainda, e de onde pendem línguas que talvez queiram narrar o sacrifício ou gritar a esperança. O preto e o branco são cores e pretextos, também de luta, nos seus quadros. Com as outras cores, os vermelhos, azuis, amarelos, verdes de outros sinais, organizam-se metaforicamente como que numa paisagem do humano, de que se quer conciliar a desmontagem, vista no plano do quadro e por fora dele, também.

Os números 1, 2, 3, entre outros, são como que referências que a aparecem constantemente, são adições de contrários e sua resultante, contrapondo uma conotação mágica do enlace e desenlace de formas que, paralelamente, a cor harmoniza, define e planifica. Por vezes numa cara há o espelho exato de uma raça que se descobre.

Nenhum pintor português andou alguma vez tão perto quanto devia do entendimento profundo e, ao mesmo tempo, tão decididamente epocal, de uma cultura que nunca, em verdade, soubemos sentir. Analisávamos os códigos quanto muito, ficando, porém, à superfície dos símbolos, ou na banalidade ridícula da representação. Só no fim, precisamente no fim, esse entendimento começou. Está na pintura de José de Guimarães. E está, como só o artista é dado fazer, indo ao encontro de confluências, tornando esse encontro um caso original, uma relação sensível de culturas no espaço e no tempo.

Fernando de Azevedo (1975)

 

CATÁLOGO

 TRÊS PINTURAS DO PERÍODO AFRICANO (1973)

1 – Totem - 100x81 cm

2 – Fetiches - 100x81 cm

3 – Tatuagens - 100x81 cm

 

TRÊS PINTURAS DO PERÍODO MEXICANO (1996)

4 – La Muerte - 100x83 cm

5 – Serpente Azul e Calavera - 100x73 cm

6 – Calavera Catrina - 100x73 cm

 

7 – Arqueologia de uma Personagem (1989-90) - 130x125 cm

8 – Máscara azul (1991) - 195x130 cm

 

DOIS RELICÁRIOS (1992)

9 – D. Pedro - 90x64 cm

10 – D. Inés - 90x64cm

 

SEIS GRAVURAS

11 – 1º de Maio (1976) - 95x60 cm

12 – Grande Nú (1976) - 65x50 cm

13 – Mulher ao espelho (1976) - 65x50 cm

14 – Mulher automóvel (1995) - 80x60 cm

15 – Fetiche (1995) - 80x60 cm

16 – Femelle (1995) - 80x60 cm

DUAS VITRINES DE LIVROS E CATÁLOGOS

 

 

O artista e a obra

José de Guimarães

(José Maria Fernandes Marques) nasceu em Guimarães em 1939, cursou a Academia Militar (oficial da Arma de Transmissões) e o Instituto Superior Técnico (engenheiro civil), frequentou cursos de gravura em Lisboa e em Paris (S.W. Hayter).

Em Angola, em comissão de serviço militar (1967-74), interessou-se pela arte negra e participou na vida artística local. Em 1973 realizou uma grande exposição de pintura em Lisboa (Galeria Dinastia, proposta por J. A. França) e nova exposição ali, em 1975 (apresentação de A. J. França). F. de Azevedo publicou então um estudo sobre a sua obra em “Colóquio/Artes”, e nesse ano foi convidado a realizar o cartaz do Congresso Internacional da A.I.C.A. em Lisboa (“1º Maio”). Em 1977 realizou seis exposições na Bélgica, apresentado pelo crítico Marcel van Jole, começando então a sua obra a ter uma projecção internacional marcada por dezenas de exposições, sucessivamente em Paris (1979, 87, 91), Brasil (1981), Suiça (1982), Milão (1983, 86), Madrid (1983), Bruxelas (1984), Barcelona (1984, 97), Basileia e Antuérpia (1985), Zurique (1987), Estugarda, Veneza e Los Angeles (1988), Tóquio (1989, 90, 91), Estocolmo, Sazburgo e Chicago (1990), Pequim, Hong-Kong e Macau (1994), México (1997), etc…Teve exposições retrospectivas em Lisboa (Fundação Gulbenkian e Palácio das Galveias) e no Porto (Fundação Serralves) em 1992, e tem apresentado numerosas exposições de pintura, desenho, escultura, instalações, gravura, “relicários”, em Lisboa, Porto, Guimarães, Sintra, Almancil (Algarve). Está representado em numerosos museus nacionais (Chiado, Gulbenkian, Serralves, Biblioteca Nacional, etc.) e do estrangeiro (Paris, Bélgica, Alemanha, Suiça, Espanha, Holanda, E.U.A., Canadá, Brasil, México, Argentina, Japão, Parlamento Europeu, etc.). Recebeu vários prémios em Portugal (Nacional de Artes Plásticas, AICA-MC, 1992, etc.) e no estrangeiro. Instalou atelier em Paris em 1995 e publicou em 1999 “Arte Perturbadora/Disturbing Art”. Uma vasta bibliografia tem sido dedicada à sua obra, em Portugal, na Bélgica, em Itália, desde 1979, assinada por nomes prestigiosos, de J. A. França, F. Azevedo, F. Pernes, Salette Tavares, Pierre Restany, Marc Le Bot, M. van Jole, R. Micha, A. Tabuchi, Gillo Dorfles, Juan Manuel Bonet, D. Giralt-Miracle, A. Bonito-Oliva, etc.. Decorou a estação de metro de Carnide, outra no México, tem intervenções plásticas no Japão (Miyagi, Kishiro, Akita). Inaugurou em 1999 a escultura da Praça 25 de Abril em Lisboa e tem outras em preparação. 

 

 

 

 

 

 

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