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Imagem da Capa: “Nada como estar fora” (1996-1997)

Janeiro – Março 2002

Fernando Lemos 8ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

Através da pintura, dos desenhos e das fotografias de Fernando Lemos, algo se destrói que fica como uma saudade negada.

Através da pintura, dos desenhos e das fotografias de Fernando Lemos, algo se destrói que fica como uma saudade negada. Destrói-se como raiva e fica como amor. Lento e feroz, atento na destruição e sereno nisso que vai, capaz de ternura, como acariciando um corpo de mulher, o desejo do pintor tenta uma alegria que lhe baste.

As transparências das suas fotografias descobrem-se como respostas a essa busca, a matéria surda das suas gouaches lentamente elabora o que ao fim possa ser uma ordem poética. Os seus óleos acabam-se antes disso, num desespero que evita o caos mas dele se abeirando com uma violência inédita.

Nos desenhos, porém, Fernando Lemos, percorre cada milha desta angústia à procura de uma lucidez que lhe possa ser explicação. Lemos explica-se nos seus desenhos: eles são a sua forma de conhecimento. Através deles saberá o que pode querer dizer uma acontecida sobreposição de clichés, uma harmonia terrosa de cor, um temeroso encontro de formas sem lei.

O trabalho de desenhar esclarecer-o até às últimas consequências. Porque os desenhos não se ficam, parados na sua frente: Cada um gera outro de seguida, desafia-o, exige-o, vai até ao fim, esgota as suas possibilidades formais e as suas probabilidades poéticas.

Fernando Lemos, quando desenha, tem uma lucidez total, que nada perdoa, que não admite caminhos de engano. Uma série de desenhos é, para ele, a descoberta de uma lei. Ao fim, as formas ganharam uma obediência, uma relação de sabedoria, uma liberdade maior que saborear-se. Ganharam a tranquila alegria – e isso lhe basta então.

Eis aqui uma rede mínima que na sua filigrana encontra formas de gente vivendo com monstros e medos e lhes dá sombras quentes de amor, eis aqui um alinhar de sinais cuneiformes que ondulam, se abrem, fecham o seu círculo, procuram vida pela fuga dos lados, dispõem-se de novo, perdem-se num flou, voltam a uma esperança e perfazem o seu ritmo numa franqueza salutar.

As séries de desenhos que aqui se vêem ordenam-se em curvas de um ritmo sensual, e é esse ritmo que vai provocando as formas, rompendo-as para o gozo final de as ver nascer diferentes, numa nova invenção de si própria, como num ato de amor. A raiva é a linguagem de que o amor se serve – mas o destruir dos mundos nesse amor se contraria e resolve afinal.

Compreender-me-ão agora se eu disser que Fernando Lemos é um extraordinário criador, um dos que mais longos dizeres de poesia tem para nos dizer, nesta Europa da nossa esperança?

José-Augusto França (1954)

 

 

 

A PAIXÃO SEGUNDO A PINTURA

 

A cor é a memória da luz. Mas há na pintura razões que a própria cor desconhece. A sombra é uma delas.

A pintura aqui é a ponte de elaboração, prelúdio selvagem e livre na direção de destinos que não sabemos se existem nem onde poderão ser procurados. Talvez no caos, inconsciente preto, tal o silêncio na música, a perpetuidade na escultura, o flagrante no registo fotográfico e o mistério fractal na palavra poética. Contínuo movimento de aparecimentos. Ilumino o sonho no fundo da noite sem abrir a luz e adormeço no inconsciente do dia ao olhar o sol. O olho então vê e apalpa.

A paixão é a memória do fogo. Segundo a Pintura. Após o desejo.

Nos títulos dos quadros, frases amorgráficas como de certos bilhetes postais ilustrados, estão expressas na nossa língua lembranças de infância referentes ao desejo. Não ilustram nem se fazem ilustradas, mas complementares, para uma ou mais interpretações, conforme a convivência a ser-lhe concedida. Assim: “Até Amanha” quer para alguém o dia próximo, entre o hoje e o amanhã, com a noite implícita a que a frase não se refere, mas tão abstrata na fala quando na imagem.

O facto de nalgum título estar evidente uma praga ou sentença, ainda assim trata-se do anseio que as orientou.

Mesmo quando não procurei aquilo que encontrei, ainda assim a paixão aconteceu.

Fiz o que não sabia. Agora, com a palavra os críticos, que sabem o que dizem. Desejo.

 

Fernando Lemos (1997)

 

 

CATÁLOGO

 1 – Objecto Roturhien (1950) 38x46 – óleo sobre cartão prensado.

2 – Pintura (1951) 70x48 – óleo sobre cartão prensado.

3 – Pintura (1953) 100x60 – óleo sobre tela.

4 – Desenho (1958) 38,3x46,3 – óleo sobre cartão prensado.

5 – Desenho (1958) 38,3x46,3 – óleo sobre cartão prensado.

 

“Signos Desmemoriados”

6 a 9

1972, Acrílico sobre tela – 100x100

 

“A Paixão segundo a pintura”

1996/97, Acrílico sobre tela – 100x100

10. “Não há-de ser nada”

11. “Quem me dera”

12. “Que não seja por isso”

13. “Nada como estar fora”

 

Fotografia

14 a 18

c. 1949

 

 

A Câmara Municipal de Tomar agradece ao Museu do Chiado o empréstimo de fotografias de suas coleções, Galeria 111 a cedência de dois quadros, e a três colecionadores privados os restantes empréstimos.

 

 

 

O artista e a obra

Fernando Lemos nasceu em 1926 em Lisboa e vive em São Paulo, Brasil, desde 1953.

Cursou litografia e pintura na Escola de Artes Decorativas António Arroio, Lisboa e expôs pela primeira vez na I Exposição Geral de Artes Plásticas, 1950 (cartazes). Em 1952, com Fernando Azevedo e Vespeira, expôs na Casa Jalco, mostra que marcou uma data histórica na pintura portuguesa, entre o Surrealismo e o Abstraccionismo. Nesse ano expôs pela primeira vez fotografia na Galeria de Março (que então fundou com José-Augusto França em Lisboa) e ali voltou a expor desenho em 1954. Entretanto começara uma carreira de pintor, desenhador, grafista, ilustrador e decorador no Brasil, que lhe deu múltiplos prémios, entre os quais o de “Melhor desenhador nacional” na IV Bienal de São Paulo em 1957, e teve sala especial de pintura na VIII Bienal, em 1965. Expôs em representações brasileiras pela América Latina, Nova York, Paris (I Bienal, 1959), Londres, Viena de Áustria, Espanha, Polónia, Japão, etc. e em exposições portuguesas em Paris, Roma, Montréal, Badajoz, Madrid, Hamburgo. Em Lisboa voltou a expor na II Exposição da Fundação Gulbenkian, em 1962, e individualmente em 1973 (pintura), 1982, 1985 (desenho), 1994 (fotografia) e 1997 (pintura, na Galeria 111).

Realizou tapeçarias, cerâmicas, pinturas murais (na Exposição Histórica do IV Centenário de São Paulo, 1954, que montou, numa Estação de Metro em São Paulo, 1990), decorou exposições internacionais (Nova York, Tóquio – e em Nagasaki projectou, para Portugal, e sem consequências, em 1977, o Museu Nanbam que seria destinado a marcar a presença histórica portuguesa), organizou graficamente e ilustrou vários livros (“Vôo sem pássaro dentro”, A. Casais Monteiro, 1954, etc.) e revistas (“Unicórnio”, Lisboa, 1952). Publicou livros de poemas (“Teclado Universal”, Cadernos de Poesia, 1952 e 1963, prefaciado por Jorge de Sena, “Cá & Lá”, 1985, Imprensa Nacional, Lisboa, e em edição bilingue português e espanhol “O Silêncio é dos Pássaros”, Mérida 2001), um álbum de desenhos (“Desenhumor”, São Paulo, 1991) e dois álbuns de fotografias (“Retratos de Quem?”, Instituto Camões, Lisboa e São Paulo, 2000, e “Autoportrait”, Fata Morgana, Montpellier, 1998).

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