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Imagem da Capa: “Le Paysage Envolé” 1975
Emília Nadal corta o espaço que habita para que nele entrem as nuvens. O espaço é azul, para recordar o céu (ou porque o recorda), e interior e exterior se confundem num valor comum de que não duvida a aparência assim sonhada. E está povoado de imagens, sonhadas também, que passeiam nele a sua lembrança nocturna. Perfis de raínhas, guerras e matanças, um ovo de perfeição antiga – e sempre o espaço vítreo, em suas quatro esquinas. Câmara secreta, discreta - e fria, como se nela ardesse o céu intencionalmente azul. Ou esfriassem, de repente, as chamas de outro quadro, igualmente vermelho. E tudo tão minucioso e irreal que, em vez de surrealismo, se pode falar outra vez de realidade.
(1976)
Nas sociedades desenvolvidas e nas outras, em vias de não o serem, a civilização chega-nos enlatada — e logo no seu imediato sinal que é o comer. Sabido isto, a arte de Emília Nadal é fácil de entender, explicar, apreciar e saborear — porque isto mesmo ela faz e propõe. ( ...) Emília Nadal prova pela naturalidade do seu fabrico de “week-ends”, “jeans”, bombas atómicas, esposas ideais, intelectuais independentes de esquerda (em língua francesa) “partouzes” (em qualquer língua) e milagres (já não necessariamente em latim) são produtos de consumo corrente que convém ter prontos na dispensa, para comidas apressadas dos nossos dias de vida-ou-não. (...) A arte “pop” ganha com estes objetos e projetos a perspetiva alimentar que ainda lhe faltava, no discurso nosso de cada dia. Emília Nodal não fez mais do que verificá-lo, quer dizer constatá-lo e torná-lo verdade, Isto é: inventá-lo. Nisso põe ela uma inocência de dona de casa a adivinhar piores dias. Inocência fingida, por ser de artista, é certo.
José-Augusto França (1977)
Abre ao público, numa tarde de Outono, uma exposição de abras de Emília Nadal, realizados entre 1973 e 2005. Vão apenas por mera coincidência. Tenho estado nestes primeiros dias de Outono com a memória fixada numa das obras mais recentes, que se intitula, precisamente, “Outono”; foi realizada em 2004 e consiste numa montagem ou instalação, reunindo um acrílico de suaves tons ocres, em mancha larga e livre, e uma caixa castanha aberta, cujo fundo é um espelho. Neste fundo reflete-se o que na caixa está contido: sementes e folhas secas. E estas servem de motivo aos desenhos a pincel traçados sobre a mancha acrílico. Tal instalação permite-nos, pois, confrontar o real, o seu reflexo num espelha e a sua representação pictural. O tom acastanhado, dominante em todas estas situações, mais do que uma unificação puramente visual, parece nimbá-Ias de um mesmo mistério. A obra adquire então um poder mágico que é todo devido à subjetivação que Emília Nadal faz dos códigos comunicativos de que se apropria.
A pintora conhece bem as técnicas de representação do visível e da ilustração do invisível. E coisifica-as. Conhece a “caixa” perspética de Piero. Com ela construiu espaços e dela manteve resíduos emblemáticos que, num ato voluntariamente anacrónica, vêm interferir com as imagens de reportagens atuais. Mas não é dramática nem claustrofóbica, como no irlandês Erancis Bancon: é friamente denunciadora. Nas “caixas” de Piero, as figuras humanas erguiam-se com serenidade divina. Nos atuais tempos de aviões de guerra, essa “caixa” é destruída, mas os seus resíduos parecem ainda lembrar a ardem feliz.
Emília Nodal coisifica também a luz, que em estrias de arca-íris parecem invadir o espaço para aquém da tela. Luz quase tangível.
O que ela reprova é o ruído, a confusão dos códigos. Teria de denunciar os “slogans”, porque nada clarificam e convidam à ação estúpida.
Acima de tudo, Emília Nodal sabe que é necessário manter a pureza afetiva na travessia dos códigos que, na realidade, nunca progrediram senão quando honestamente procuraram ligar a humanidade; sabe que as maiores lições de vida podem colher-se deante das mais modestas presenças; sabe que a mais profundo compreensão dos sentimentos humanos, contempla igualmente a alegria e a dor. Uma folha seca, uma semente... “Outono de seu riso magoado”. Este verso de Camilo Pessanha, todos os anos por esta época me vem à memória e me orienta o olhar.
Rui-Mário Gonçalves (Setembro de 2005)
1. Homenagem a Piero della Francesca, 1973 - 82 x 102cm, óleo s/ tela
2. “O Jardim das Delícias”, 1975 - Homenagem a J. Bosch, 91 x 123cm, óleo s/ tela e colagens
3. 1975, 1975 - 112x 82cm, óleo s/ tela e colagens
4. Paisagem, 1976 - 70x 100 cm, litografia e colagem
5. Slogan’s, 1977 - 91 x 123cm, acrílico s/ tela
6. Still life, 1978 - 123x 91cm, acrílico s/ tela
7. Slogan’s, 1978 - 21 x15cm, offset s/ alumínio (impressão na extinta Fábrica - Litografia Viúva Ferrão)
8. Slogan’s, 1978 - 49 x 30 cm, offset s/ alumínio
9. Paisagem Oblíqua, 1984 - 50 x 70 cm, pastel seco s/ papel
10. “A Besta” série do “Apocalipse”, 1995 - 25 x 20 cm, pastel de óleo s/ tela
11 “Q 72 Dia da Criação” - do conjunto de “Os 7 Dias da Criação”, 2003, 35 x 27 cm, acrílico s/ tela
12. Vídeo, 2003 - 67 x 67 cm, gravura sobre vidro espelhado
13. Auto-retrato do Espectador, 2003 - 52 x 52 cm, gravura sobre vidro espelhado
14. Paisagem local, 2003 - 52 x 52 cm, gravura sobre vidro espelhado
15. Aimez-vous Brahms?, 2004 - 130x 97cm, acrílica s/ tela
16. Outono, 2004 - 45 x 38 cm, acrílico e/tela e madeira
17. Outono, 2004 - 45 x 38 cm, acrílico e/tela e madeira
18. Sonata, 2005 - 55 x 38 cm, acrílico e/tela
19. Sonata, 2005 - 55 x 38 cm, acrílico s/ tela
O artista e a Obra
EMÍLIA NADAL é natural de Lisboa, onde cursou a Escola de Artes Decorativas António Arroio. Terminou o Curso Superior de Pintura da ESBAL em 1960 e cursou Gravura na Cooperativa Gravura. Foi distinguida, com os Prémios Anunciação e Lupi de Pintura da Academia Nacional de Belas Artes, com Menção no XVI Prémio Internacional de Desenho Joan Miró e com os Prémios de Edição na I e II Exposição Nacional de Gravura. Foi bolseira da Fundação Gulbenkian para a criação de “Embalagens para Produtos Naturais e Imaginários Liofilizados” nas áreas da pintura, desenho, gravura, objetualismo e vídeo-performance. Expõe desde 1957 e participou em numerosas exposições coletivas e de grupo em Portugal, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Itália, Brasil, Alemanha, Nova Zelândia, Bulgária, Polónia, ex-Jugoslávia, e Japão.
Exposições Individuais (seleção): 1973 – Lisboa: Galeria Ottolini, 1976 – Lisboa: Galeria de Arte Moderna – SNBA; e Madrid: Galeria PROPAC. 1977 – Porto – Centro de Arte Contemporânea – Museu Nacional Soares dos Reis; e Lisboa: Galeria Dinastia. 1978 – Madrid: Galeria Yguanzo; e Lisboa: Galeria 111. 1979 – Porto: Galeria Zen. 1981 – Coimbra: Círculo de Artes Plásticas. 1983 – Porto: Galeria Zen; e Vila Real: Fundação Casa de Mateus. 1984 – Funchal: Galeria Quetzal. 1986 – Lisboa: Galeria de S. Mamede. 1987 – Lisboa: Galeria de S. Mamede. 1988 – Paris, Centro Cultural da Fundação Gulbenkian; e Lisboa: Museu nacional do Traje. 1989 – Macau: Arquivo Histórico; e – Lisboa: Galeria de S. Mamede. 1993 – Lisboa: Galeria S. Mamede. 1995 – Évora: Eborensia Galeria. 2004 – Fátima: Galeria S. Miguel. 2005 – Angra do Heroísmo: Palácio dos Capitães Generais; e Ponta Delgada: Academia das Artes dos Açores.
Exposições Coletivas (recentes): 2000 – Lisboa: “Mote e Transfigurações”, S. N. B. A. 2001 – Monte da Caparica: “Silente Life” Festival dos Capuchos. 2002 – Lisboa:, “Cem Anos, Cem Artistas”, S. N. B. A. 2003 – Vila Nova de Cerveira: XIIª Bienal Internacional de Arte Contemporânea; Amarante: Exposição do Prémio Amadeu de Souza-Cardoso; e Lisboa: “Percursos de um Dramaturgo”, Museu Nacional do Teatro. 2004 – Lisboa: “Os Poderes da Arte”, Supremo Tribunal de Justiça; e Lisboa; “Em nome do Espírito Santo”, Arquivo Nacional da Torre do Tombo. 2005 – Lisboa: “Universos Femininos”, Galeria Corrente d’Art; e Macau: IPOR – 15 Anos 15 Artistas, in Museu de Macau, Casa Garden e Livraria Portuguesa.
Desenhou cenários e figurinos para o Ballet Gulbenkian, Teatro Nacional de D. Maria II, ACARTE e Teatro Experimental de Cascais. Realizou um mural para a Biblioteca João Paulo II – U.C.P. de Lisboa, e instalações para o Festival dos Capuchos e para o Centro Cultural de Belém (Natal – 2000). Realizou uma intervenção em vídeo sobre a composição musical “Iris”, de João Pedro Oliveira, integrando o processo da pintura (XIX Festival de Música de Leiria – 2001) e o projeto de remodelação dos espaços do altar e do presbitério da Sé de Faro (2003).
Está representada com pintura, desenho e objetos nas coleções: do C.A.M. – Fundação Gulbenkian; da Galeria de Arte Contemporânea do Funchal; da Caixa Geral de Depósitos; do Banco Comercial Português; do Museu de Serralves; do Museu Sintra – Arte Moderna, Coleção Joe Berardo; do Centro Cultural de Belém; e do Núcleo de Arte Contemporânea – Doação José-Augusto França, em Tomar.
Preside à Direção da SNBA, que representou no Conselho Nacional de Educação e para o qual elaborou um Parecer (com Jorge Barreto Xavier) sobre “Educação Estética, Ensino Artístico e sua Relevância na Educação e na Interiorização dos Saberes”. C. N. E. – 1998.
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