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Imagem da Capa: Metamorfose nº16, 2003
As máscaras negras que Eduardo Nery coleciona têm a sua magia própria e necessária no sítio donde vêm; mas vindo para outro sítio, nosso, sofrem uma leitura adaptada a circunstâncias culturais que não entendem o processo mágico senão em termos estéreis da fantasmação.
A realidade material que sustenta a magia imaterializa-se no Ocidente, esbatendo as formas por incapacidade nossa (ou perdida) de assumir que os símbolos são feitos de matéria que não se furta aos cinco sentidos do convívio quotidiano, mais outros que lhe são próprios. Por isso Nery tem que fotografar as máscaras para lhes fornecer a irrealidade que mais nos convenha, vaga e difusa – que é negação da sua essência material.
Entre a máscara original e a imagem fotográfica, feita de sobreposições, negativos e flous, passou o tempo histórico da nossa cultura, que foi sendo feito de desculpas do que ela perdeu pré-historicamente, por assim dizer. E Nery dá-se conta desse tempo nas fotografias que faz – ele que, pintura a pintura dos seus azulejos, tem passado anos a fixar o próprio tempo com uma exactidão proveitosa, tudo sabendo das cores em relação e movimento, para poder optar pelo negro da película. Assim, à realidade geométrica do seu pensar sensível, ele é levado a opor uma irrealidade de espírito, em que outro pensar se assume.
Homem e cosmos andam separados no Ocidente, por metáfora nossa, sem remédio; para lhe compreendermos a necessária totalidade temos que nos imaginar fantasma… As fotografias de máscaras de Nery demonstram a fatalidade da nossa situação através de um discurso que plasticamente (melhor: picturalmente) se organiza, por remédio da nossa estética possível.
Nisso Eduardo Nery realiza uma segunda obra, coerente na sua diligência e pesquisa, original na leitura que soubermos fazer-lhe – entre o que vemos e o que lá está. Ou seja entre nós e as máscaras.
José-Augusto França, 2006
FOTOGRAFIAS DE 2003 A 2005
Nas minhas fotografias da série “Transfiguração”, expostas inicialmente na SNBA, em 2003, julgo que se encontrará sem dificuldade um aspecto mágico, sob um imaginário marcadamente expressionista. Nelas, através de um trabalho de pesquisa centrado na iluminação em estúdio irrealizei algumas das máscaras e esculturas africanas, que tenho na minha colecção, procurando potenciar no espectador a descoberta destas obras, não como peças inertes e exóticas de museu, mas como uma transmutação entre o seu lado corpóreo e material e o seu valor espiritual intrínseco, religioso ou sagrado. Aliás, estes valores quase sempre muito profundos nos povos que as criaram, simbolizam a sua forte crença em forças ocultas, que transcendem a vida e a dimensão do homem comum.
Assim, para melhor me sintonizar com elas, recorri aqui à presença de véus, que transfiguram as esculturas tornando-as mais místicas e misteriosas, não só pela sua ocultação total ou parcial, mas também pela possibilidade de as realizar através de focagens e desfocagens gradativas. Esse jogo de modelação da luz, quase pictórico, permitiu-me contrastar e dissolver a luz, dentro e fora do núcleo mais denso da escultura em madeira.
Por outro lado, tal pesquisa luminosa também se refere às minhas preocupações de exprimir a nossa energia psíquica, como o fiz contemporaneamente em pinturas do mesmo ano. Aliás, mais atrás, na minha pintura a spray dos anos 80, de forte sentido cósmico, sempre procurei exprimir a perpétua transmutação entre energia e matéria, entre vazio e vibração luminosa, e entre finito e infinito. Porém, aqui foi a energia psíquica – mas também o inconsciente - ambos tomados como base de expressão, embora certamente reforçados pela magia latente nestas máscaras e cabeças.
Quanto ao outro núcleo de sobreposições fotográficas, que intitulei genericamente de “Metamorfoses”, quero esclarecer que não foram feitas em computador, porque esta técnica de duplas exposições no mesmo negativo, já o uso há 25 anos. Ora, todas estas fotografias, expostas na Fundação Gulbenkian, em 2005, caracterizem-se pela sobreposição parcial – somente ao longo de um eixo central, vertical ou horizontal – no qual coloquei em confronto máscaras ou cabeças de esculturas africanas, em oposição ou em osmose com rostos de pessoas comuns, ou retirados de revistas de moda.
Poderia referir vários aspectos implicados neste trabalho (quase contemporâneo ao anterior), limitando-me a destacar o sentido da máscara que usamos, em maior ou menos grau. Para tal, servi-me de imagens de arte africana, porque o efeito de estranheza é muito mais intenso, do que seria se tivesse recorrido unicamente a pessoas semelhantes a nós.
Outro aspecto, decorrente do anterior, é o sentido duplo ou da dualidade que existe em todos nós, entre o mundo do consciente e do inconsciente, ou se quiser, entre a sombra e a luz, ou ainda entre o real exterior e o oculto. E a forma que encontrei de melhor o exprimir foi através destas sobreposições de duas imagens, que se contrastam e se intersolicitam e através dos quais se entrelaçam duas esferas distintas, que correspondem afinal ao perpétuo jogo ontológico entre o real interior e o real exterior ou, dito de outra forma, entre o Real e o mundo das aparências exteriores.
Eduardo Nery, Julho de 2006
CATÁLOGO
1- Transfiguração I, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
2 - Transfiguração III, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
3 - Transfiguração IV, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
4 -Transfiguração VII, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
5 - Transfiguração VIII, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
6 - Transfiguração IX, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
7 - Transfiguração X, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
8 - Transfiguração XIII, 2003
Fotografia pb
75 x 50 cm
9 - Metamorfose n.º5, 2003
Fotografia pb
53 x 35 cm
10 - Metamorfose n.º16, 2003
Fotografia pb
53 x 35 cm
11 - Metamorfose n.º24, 2003
Fotografia pb
53 x 35 cm
12 - Metamorfose n.º33, 2003
Fotografia pb
53 x 35 cm
13 - Metamorfose n.º38, 2003
Fotografia pb
53 x 35 cm
14 - Metamorfose n.º48, 2004
Fotografia pb
53 x 35 cm
15 - Metamorfose n.º49, 2004
Fotografia pb
53 x 35 cm
16 - Metamorfose n.º50, 2004,
Fotografia pb
53 x 35 cm
O ARTISTA E A OBRA
Eduardo Nery, com conhecido e reconhecido trabalho nos domínios da pintura, desenho, colagem, gravura, tapeçaria, azulejaria, vitral, mosaico, fotografia e design, nasceu na Figueira da Foz em 1938. A fotografia com carácter criativo surge aos 15 anos, participando, desde início – anos 50-60 – em diversas exposições. Em 1977 apresentou dois diaporamas na Fundação Calouste Gulbenkian: “O Museu Imaginário na Sociedade de Consumo” e “Arte Abstracta – uma aproximação através da fotografia”.
Da sua vasta atividade fotográfica destacam-se:
PRÉMIOS E MENÇÕES HONROSAS: 1957, “I Salão de Arte Fotográfica de Feira de Maio de Estremoz”; “I Salão do Centro de Cultura da Igreja de S. João de Deus” (Lisboa); Concurso do “Almanaque Português de Fotografia 1955-1956” e “Exposição de Fotografia 9x12”, da AE-IST (Lisboa), que repetiu em 1958; 1964, Menção Honrosa na “I Exposição Nacional de Fotografia dos Estudantes Portugueses” (Coimbra); 1982, Prémio de Fotografia na “III Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira”.
EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS: 1979, “Estruturas, Fotografias 1976/79” (Quadrum – Lisboa); 1981, “Espaço-Luz-Cor” (FCG – Lisboa); 1982 e 1984, “Transmutações da Imagem” (Roma e Pavia – Porto, e Neupergama – Torres Novas); 1984-85, “Eduardo Nery. Photographs”, San Diego, Irvine e Los Angeles; 1986, Museu da Casa Nogueira da Silva (UM – Braga); 1987-88, “A Verdade da Ilusão” (CAM-FCG – Lisboa e Macau); 1989, “Eduardo Nery, Fotografias” (A5 – Santo Tirso); 1990, “Lugares” (Diferença – Lisboa) e “Água, Princípio de…” (Museu da Água – Lisboa); 1997, “Eduardo Nery, 1956-1996. Arte Atelier” (Culturgest – Lisboa); 2002, “Viagem a um outro Mundo” (Centro Cultural de Cascais); 2003, “Transfiguração” (SNBA – Lisboa); 2005, “Metamorfoses – Fotografia”, (FCG – Lisboa e Galeria Municipal de Albufeira).
EXPOSIÇÕES COLECTIVAS, mais de trinta em Portugal e de uma dezena no estrangeiro: Lisboa (1977; 1981; 1984 a 1988; 1994; 1996), Coimbra (1980; 1983; 1988), Vila Nova de Cerveira (1982; 1994), Viana do Castelo (1987), Macau (1987; 1988), Funchal (1988), Amadora (1988), Porto (1988), Vila Franca de Xira (1988; 1989; 1991; 2006), Loures (1988; 1993), Guimarães (1989), Vila Praia de Âncora (1992), Portimão (2001), e Montijo (2005); e, Hong Kong (1959), S. Paulo (1981; 1984-85), Bona, Osnabruck e Wurzburg (1982-83), Madrid (1987), Los Angeles (1991), Trevi (1998) e Ourense (2004).
BIBLIOGRAFIA: “Eduardo Nery”, Rocha de Sousa, INCM, Lisboa, 1990; “Eduardo Nery, Metamorfoses da Imagem”, Rocha de Sousa, Anuário Português de Fotografia, 1990; “Anuário Português de Fotografia”, Foto-Jornal, Lisboa, 1983, 1985, 1986 e 1988; “Portugal e o Ambiente, Panorama da Fotografia Portuguesa de Temática Ambiental”, SNPRCN, Lisboa, 1989; “Eduardo Nery: 1956 – 1996”, Cultugest e FCG, 1997.
ENTREVISTAS: “JL” (1983/12/13); “O Almonda” (1984/03/02); “Semanário” (1984/11/10); “Revista de Fotografia” (Março, 1988); “Supercolor Photopost” (Outubro, 1988); “DN Magazine” (1989/03/19); “Diário de Lisboa”, suplemento a “Mosca” (1990/01/19); “Capital” (1990/03/22); “Águas Livres” (Abril/Maio, 1990); Universidade Aberta (Outono, 2003) e “Diário de Notícias” (2005/01/25).
Esta exposição de Tomar integra-se num ciclo fotográfico recente, a que o artista se vem dedicando num processo de reinvenção da imagem e da representação.
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