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Imagem da Capa: “Tempo Petrificado” 1973
EDUARDO NERY, ESPÍRITO E GEOMETRIA
O quadro de Eduardo Nery que ocupa um dos onze lugares de “A Brasileira do Chiado” redecorada em 1971 por um júri da AICA, selecionador dos pintores então julgados mais representativos da vida artística de Lisboa-ainda-Chiado, assume um significado particular na panorâmica assim desejada e obtida. Entre as inspirações dos seus vizinhos (Azevedo e Vespeira, Rodrigo e Noronha, Nikias e Vieira, Hogan e Baptista), Nery toma uma posição simbolista que o aproxima de Calvet e de Palolo, e nela opta por valores espaciais que sustêm o jogo geométrico das suas figuras - e as ligam, ou cosem, pela virtude colorida de um arco-íris de sete cores. Desse quadro se poderá dizer que estabelece a relação entre os fundamentos da arte do pintor, a figuração rigorosa nas suas definições formais e o sentido necessário de harmonias cromáticas da encenação. Tal pintura sintetiza a diligência essencial de toda a obra de Eduardo Nery que é criar espaços lúdicos, iludindo os sentidos do espectador, visual, táctico e sonoro. É uma obra de “op-art” como se dizia então (e que Nery em 1965 foi o primeiro a investigar em Portugal, com Artur Rosa, mas assegurando-lhe maior continuidade), pintura óptica nos seus meios, levando o utente a tomar conta do espaço percorrido pelo seu próprio corpo, e a ouvi-lo musicalmente, em acordes e glissandos...
As muitas obras que Nery criou, para paredes exteriores de azulejo (como a que agora ofereceu ao Museu Municipal de Tomar) e interiores de tapeçaria, ou para pavimentos urbanos, numa terra de fachadas luminosas de sol e de chãos de ondas de mar, são excelentes de precisão, na apreciação crítica da sua importante intervenção arquitectónica - tal como as colagens em que, a certa altura, transformou a sua pintura, numa irónica sarabanda de temas. Ou como a fotografia que praticou e em que, mais recentemente, cuida do mistério das formas de esculturas africanas que admiravelmente coleciona, num claro-escuro de doces violências de luzes moventes, por si próprias significantes. Ou ainda retomando, há pouco, uma pintura gestual, apresentada já em 1960, numa nova fluidez pontuada de traços.
José-Augusto França (2003)
Eduardo Nery deu-se conta, por reflexão e criação de imagens suas, dos consequentes deslumbramentos óticos de que carecia o objeto artístico, bem como da provocação visual tão necessária para o encantamento lúdico do espectador - princípios essenciais à atuação e diferenciação do movimento em que uma direção do abstracionismo, a tentação cinética, veio a reencontrar-se numa desinência concretista.
Fernando de Azevedo (1997)
Depois de uma diversificada prática de desenho e gravura, Eduardo Nery começou a notabilizar-se nos anos 60 com a prática de certa pintura que explora os efeitos óticos violentos, onde as figuras geométricas se oferecem a leituras alternativas. Simultaneamente a esta pintura op, realizava montagens de objetos, que eram constituídas por cubos combináveis livremente pelo espectador. Esta prática rigorosa e esta atenção ao comportamento do público permitiram-lhe desenvolver uma das suas vocações mais fortes: a integração das artes.
Em breve, as suas pinturas e colagens assimilaram também o gosto pop. As formas geométricas passaram a referir elementos arquitetónicos dispersos num espaço abstrato. Arquiteturas desenhadas como nos compêndios didáticos pareciam flutuar, alheias à força da gravidade, e os espaços sugeridos por cada elemento arquitetónico nem sempre se unificavam, causando uma perturbação, uma insegurança do intelecto, tanto mais angustiante quanto mais as figuras se mantinham próximas do abstração geométrico. Inversamente, quando se particularizavam na representação de aspetos conhecidos da natureza, tornavam-se cómicos. Exemplo: a sucessão de figuras de elefantes em perspetiva invertida. O gosto pela manipulação das imagens imediatamente formativas e informativas dos compêndios refinou-se poeticamente quando Nery passou a utilizar fotografias e reproduções. Confrontou então os mundos imaginários da arte com os da publicidade: em retratos célebres de reis, amplificavam-se absurdamente as mãos solenes, para exibirem a pose de um anúncio de tabaco... Aqui, o confronto resultava cómico. Em outros confrontos desencadeava a rêverie, com nus de Ingres em praias portuguesas; ou atingia o fantástico, recorrendo a reproduções de obras de William Blake, de Giorgio De Chirico e de outros visionários.
Rui Mário Gonçalves (2003)
CATÁLOGO
1. “Paisagem Sideral”,1964
Dimensões: 58 x 40,5 cm (mancha)
Desenho o guache negro sobre papel
2. “Energia”, 1964
Dimensões: 58 x 43 cm (mancha)
Desenho a guache negro sobre papel
3. “Atmosfera Terrestre”, 1965
Dimensões: 190 x 98,5 cm
Tapeçaria - Colecção Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
4. “Astros”, 1965
Dimensões: 155 x 106 cm
Tapeçaria - Colecção Manufactura de Tapeçarias de Portalegre
5. “Visão Móvel”, 1967
Dimensões: 60 x 90 x 5,5 cm
Pintura com esmalte negro sobre plalex e sobre vidro acrílico
6. “Modulação Luminosa IV”, 1968
Dimensões: 27 x 68 (mancha)
Guache sobre papel
7. “Espaço Ambíguo”, 1968
Dimensões: 47 x 68 cm (mancha)
Guache sobre papel
8. “Espaço Ilusório 1”, 1969
Dimensões: 135 x 83 x 12 cm
Pintura sobre platex engradado com cubos de madeira salientes
9. “Molduras”, 1970
Dimensões: 100 x 80 cm
Duas molduras e pintura sobre platex com folha de ouro
10. “Escada/Saturno”, 1972
Dimensões: 120 x 90 cm
Pintura sobre platex engradado
11. “Tempo Petrificado”, 1973
Dimensões: 100 x 140 cm
Pintura sobre platex engradado
12. “Abóbada Celeste”, 1974
Dimensões: 44 x 66 cm (mancha)
Serigrafia
13. “King Size”, 1975
Dimensões: 32 x 21,8 cm (mancha) / 50 x 39,6 cm (cartolina)
Colagem sobre reprodução de Jean Clouet, montada sobre cartolina
14. “Aparição 1 e II”, 1975
Dimensões das colagens: 24 x 28,2 cm e 20,4 x 27 cm
Dimensões da moldura com 2 colagens: 83 x 55 cm
Colagens sobre reproduções de Turner e de Vander Neer,
montadas sobre cartolina
15. “Desmontagem-Montagem III”, 1977
Dimensões: 110 x 110 cm
Colagem sobre painel de platex
16. Painel com quatro fotografias da série
“Transmutação da Imagem”, 1982/85
Dimensões de cada fotografia: 28 x 40 cm
Dimensões do painel: 96 x 100 cm
Sobreposições fotográficas com pormenores de pinturas de Bosch,
Vredeman de Vries e Magritte
17. “Vórtice”, 1985
Dimensões: 28 x 40 cm
Sobreposição fotográfico com pormenor de William Blake
18. “Perspectivas Opostas”, 1985
Dimensões: 28 x 40 cm
Sobreposição fotográfica
19. “Paisagem: Re-construção”, 1985/86
Dimensões: 23,5 x 27 cm e 34,5 x 42,5 cm
Colagem e tinta-da-china montadas sobre cartolina negra
20. “Cidade — Ruptura”, 1986
Dimensões: 34,5 x 42,5 cm
Colagem sobre cartolina negra
21. “Desmaterialização”, 1990
Dimensões: 100 x 70 cm
Tinta spray sobre cartolina negra
O artista e a obra
Eduardo Nery nasceu em 1938 na Figueira da Foz. Como pintor e como “designer”, tem desenvolvido desde 1966 vasta obra em diversas especialidades de intervenção plástica na arquitetura, com relevos (Sociedade Central de Cervejas, Vialonga, Metro do Campo Grande, Museu de Olaria em Barcelos), tapeçaria (Caixa Geral de Depósitos, Av. Da República), azulejos (Museu da Água, sedes do B. N. C. e da Epal, viaduto e estação do Metro do Campo Grande, túnel da Av. Infante Santo, e em Coimbra, Porto – estação Contumil, Angra do Heroísmo, Aeroporto de Macau, etc.); vitrais (Igreja de Queijas, capela de S. José na Basílica de Fátima), mosaicos (cúpula da sede da Caixa de Depósitos), pavimentos urbanos (Martim Moniz e Pr. do Município de Lisboa, Redondo), estudos e projetos de cor em conjuntos urbanos (Almada, Sines). Pintor de formação, expôs pela primeira vez individualmente em 1964 e realizou mais cerca de cinquenta exposições em Portugal, Paris, San Diego, Washington, Bruxelas, Macau, Pequim, e participou, desde 1957, em mais de 280 exposições coletivas em Portugal e no estrangeiro, com pintura, gravura, colagem, tapeçaria, azulejo, fotografia, etc.. Em 2003 teve três exposições retrospetivas (Azulejo e Mosaico no Museu do Azulejo; tapeçaria no Museu da Água; pintura na Galeria Valbom) e uma exposição de fotografia, na S. N. B. A.; em 2004 uma exposição retrospetiva geral, no Museu Soares dos Reis, Porto. Obteve numerosos prémios em Portugal, em Itália, Espanha, nomeadamente os prémios municipais “Jorge Colaço” de azulejaria em 1987, 1992 e 1995, e recebeu ainda outras distinções em Itália, Inglaterra, Estados Unidos e Macau. Está representado nos museus da Fundação Gulbenkian, de Serralves, de Sintra (col. Berardo), Machado de Castro, Viseu, Figueira da Foz, Ponta Delgada, Amarante, Torres Novas, Estremoz, da Água, da Cidade de Lisboa, Nacional de Arte Antiga, da Tapeçaria de Portalegre, Tomar, etc., além do Everson Museum of Art (Nova York), Taipei Fine Arts Museum e de George R. Gerdiner Museum of Ceramic Art (Toronto, Canadá). Eduardo Nery ensinou desenho, texturas e cor no IADE e na AR.CO de que foi um dos fundadores e membro da direção pedagógica, e foi eleito para a Academia Nacional de Belas-Artes em 1998. N´“A Brasileira do Chiado” foi um dos onze pintores selecionados pela AICA para a nova decoração pictural, em 1971.
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