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Imagem da Capa: “Variações para um tema antigo” 1951

Abril – Junho 2005

António Pedro 17ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

Muitas vezes escrevi sobre António Pedro, desde 1947, e disso tirei o proveito de entender, por ele, muitas coisas nacionais e outras. (...)

António Pedro, repetindo-me

Muitas vezes escrevi sobre António Pedro, desde 1947, e disso tirei o proveito de entender, por ele, muitas coisas nacionais e outras. Disso, e do convívio havido, e já antes dele — quando, em 1940, rapazinho de ano final do liceu, visitei a sua exposição de pintura, com obras, também, do António Dacosta e da Pamela Boden, das salas da então casa Repe, ao Chiado. Ao mesmo tempo que, em Belém, a pátria do Salazar se auto comemorava em história a preceito: de tal “Mundo Português” a exposição de António Pedro era uma espécie de anti exposição, por assim dizer, como já disse. E com muito maiores consequências para a cultura portuguesa que, por sua via, ia modificar-se, ao longo dos anos 40. Logo depois, foi o romance Apenas uma Narrativa, e os dois números da Variante que, já menino da Faculdade, comprei, como não era costume neorrealista da minha geração. Meia dúzia de anos mais tarde, escrevi um primeiro artigo sobre a participação de Pedro numa Exposição Geral de Artes Plásticos — o caso, o Rapto na Paisagem Povoado, suma de uma obra pictural que em breve cessaria.

A propósito desse primeiro artigo publicado no Horizonte, Jornal das Artes, conheci o pintor — e daí ficou datado um convívio e uma amizade que não terminaria, decerto, com a sua morte, em 1966. Fomos então sócios em três aventuras: moral e intelectual a primeira, do Grupo Surrealista de Lisboa, de 1947 a 49; editorial outra, que deu na Editorial Confluência (que a custo pôde escapar às proibições da Censura e da PIDE reunidas), o Dicionário de Morais, publicado de 1948 a 59; e teatral a terceira, que deu os Companheiros do Pátio das Comédias, em dois meses de Apoio, com o Chapéu de Palha de Itália e o Filipe II, e sem mais dinheiro para ambos perdermos... Depois, fui passando dias com António Pedro (e com a Manuela), na sua casa de Moledo do Minho e em minha casa, aonde vinha para almoçar e ia ficando, rodeado de amigos, até às três da manhã, quando a Lisboa vinha, de voluntário exílio nortenho...

Escritos meus sobre ele foram, etc., etc. …

… Organizei-lhe uma exposição de cerâmicas na Galeria de Março, em 52, e em Caminha, no Museu Soares dos Reis do Porto, e na Fundação Gulbenkian, em 79, uma grande retrospetiva para o catálogo da qual me reservei um texto necessário sobre o político e o jornalista, que foi, primeiro, em 1932, com o Rolão Preto nacional-sindicalista, e depois da guerra, num malogrado núcleo socialista, e na conjuntura Norton de Matas, em 1949, em que, a seu lado, colaborei — com pneus de automóvel furados pela polícia à porta da Voz da Operário... De qualquer modo, sempre anti-salazaristamente, como era higienicamente indispensável. E já no microfone da BBC, na Londres bombardeada de Vi e V2, em 1944-45, se ouvira em Portugal a sua voz — que era a de todos os que aqui podiam assumir uma dignidade europeia e livre, como escreveu Adolfo Casais Monteiro.

Agora é esta, exposição de uma coleção de desenhos que dele guardei e ofereci ao Museu do Chiado.

…E assim escrevo finalmente (ou ainda não) este texto de circunstância, aos 90 anos de idade que o Pedro teria este ano, por dever e gosto de o fazer — no qual repito o que atrás cito, sobretudo aquela passagem sobre isso da alma da gente que a tenha, ou possa ter, ou acrescentar, lendo, vendo e conhecendo António Pedro. Nesta terra desalmada, ilha de inimigos rodeada...

José-Augusto França (1999)

 

 

 

Em 1935, em Paris, António Pedro integrou-se num tipo de pesquisa de síntese das artes, mediante o aumento do número de dimensões físicas dos objetos de arte. Assim, Calder Moholy-Nagy e Marcel Duchamp introduziam o movimento real nos seus objetos. Cerca de trinta artistas participavam nesta pesquisa. Era o dimensionismo. Em 1936, António Pedro, em nota-circular publicada acerca dele mesmo, explicava: «A existir a palavra, dimensionismo não significa de modo nenhum uma escola fechada ou exclusivista. A existir, deve apenas significar a direção especial duma série de procuras, caracterizados pela ampliação das possibilidades formais das várias artes, realizada pelo aumento de uma ou mais dimensões espaciais. Pintura no espaço (Kotchar). Pintura com relevo (Prinner). Poesia pIanista (Sirato). Poesia dimensional (António Pedro). [...] Poesia dimensional [...] pretende ser a prova da possibilidade da expressão poética no espaço. Os estados poéticos que a tradição convencionou serem transmitidos em verso (forma a uma dimensão) podem também servir-se como meio de devolução sensível da forma a duas dimensões (plano) e a três dimensões (volume). Às vezes acontece misturar-se o verbo e a forma [...] A poesia precisa cada vez menos de palavras. A pintura precisa cada vez mais de poesia. Ao encontrarem-se as duas no mesmo caminho nasceu uma novo arte — chama-se poesia dimensional [...]».

Em consequência desta pesquisa, a poesia de António Pedro, inicialmente simbolista, alcançou um radical visualismo, que dispensa inteiramente os conceitos. Um poema dimensional de 1935 pode portanto ser designado por Abstractions Geometriques, que é o que efetivamente se vê. Olhando-o com atenção, podemos ver que nele se repetem, em posições diversas, os mesmos significantes, a que podemos chamar rimas visuais.

Os poemas dimensionais são percursores do neoconcretismo brasileiro do final dos anos 50 e da poesia experimental portuguesa dos anos 60.

O quadro de Pedro intitulado Sabat, Dança da Roda (1936) tem formato quadrado, o que permite colocá-lo em várias posições equivalentes, sugerindo rotatividade. Representa quatro corpos humanos agarrando-se. Da violência carnal indiferenciada emergem máscaras teatrais. Este quadro marca a passagem do Dimensionismo para um surrealismo de raiz expressionista.

Como se sabe, em 1936 rebentou a Guerra Civil Espanhola, cujas crueldades eram bem conhecidas de quem, como António Pedro, vivia junto da fronteira com a Galiza. E a situação de guerra internacionalizou-se até 1945. Durante este período, Pedro realizou pintura e literatura surrealista, com inúmeras referências a carnificinas. Escreveu um texto semiautomático, Apenas uma Narrativa. Logo no final da Segunda Guerra Mundial, Pedro pintou Rapto na Paisagem Povoada (1946). Com este quadro, síntese das imagens mais fortes da sua prosa poética e da sua pintura anterior, Pedro tencionava despedir-se da arte de pintar para se dedicar ao teatro. O quadro foi exposto na Segundo Exposição Geral de Artes Plásticas (Sociedade Nocional de Belas Artes, 1947). Precedido de inúmeros estudos, alguns dos quais apresentados agora em Tomar, Pedro presta homenagem a dois dos seus pintores preferidos: Hieronimus Bosch e Peter Paul Rubens.

Rui Mário Gonçalves (2005)

 

 

CATÁLOGO

 

1. Abstractions geométriques, 1935 - Guache e desenho a lápis sobre cartolina e cartão,  62,0 × 47,0 cm

2. Neste mar à minha frente, 1935 - Tinta-da-china sobre papel, 21,0 × 13,7cm

 

Estudos para o quadro Massacre

3. Massacre, s.d. - Lápis sobre papel colado sobre cartão, 19,0 × 16,8 cm

4. Massacre, s.d. - Lápis sobre papel colado sobre cartão, 19,0× 16,8 cm

5. Massacre, s.d. - Lápis sobre papel colado sobre cartão, 19,0× 16,8cm

6. Massacre, s.d. - lápis sobre papel, 26,0 × 20,3 cm

7. Massacre, s.d. - Lápis sobre papel, 26,0 × 20,3 cm

8. Massacre, s.d. - lápis sobre papel, 26,0×20,3 cm

 

Estudos para o quadro Rapto na Paisagem Povoada

9. Rapto na Paisagem Povoada - Estudo 1, 1946, Tinta-da-china sobre papel, 27,1 ×21,3 cm

10. Rapto na Paisagem Povoada - Estudo 2, 1946, Tinta-da-china sobre papel, 27,1 ×2l,3cm

11. Rapto na Paisagem Povoada - Estudo 3, 1946, Tinta-da-china sobre papel, 27,1 × 21,3cm

12. Rapto na Paisagem Povoada - Estudo 4, 1946, Tinta do china sobre papel, 27,1 ×21,3cm

13. Rapto na Paisagem Povoada - Estudo 5, 1946, Tinta-da-china sobre papel, 27,1 ×21,3cm

14. Rapto na Paisagem Povoada - Estudo 6, 1946, Tinta-da-china sobre papel, 27,1 ×21,3cm

 

Estudos para pinturas

15. Femmisterie - Estudo 1, s.d., Tinta-da-china sobre papel, 21,1 ×27,1 cm

16. Femmisterie - Estudo 2, s.d., Tinta-da-china sobre papel, 21,1 ×27,1 cm

17. Apenas uma narrativa, Estudo 7, 1941, Tinta sobre cartão, 31,4 ×25,Ocm

18. Correspondência frustrada - Estudo, 1941, Caneta tinta preta sobre cartão, 31,4 ×25,1 cm

19. Le cerveau visible - Estudo, s.d., Tinta do china sobre papel, 28 × 19cm

20. The meeting of my characters - Estudo, s.d., Lápis sobre papel, 35 × 25 cm

21. Paz inquieta - Estudo, 1940, Lápis sobre papel, 32,9×22,1 cm

22. Le canard au baroque - Estudo, s.d., Lápis sobre papel,16,0×11,0cm

23. Imponderável - Estudo, s.d., Caneta sobre papel vegetal, 27,5 × 21,2 cm

24. Sem título - Estudo para um quadro, s.d., Lápis sobre papel, 21,0×14,0cm

 

Bestiário

25. Bestiário, s.d. - Tinta-da-china sobre papel, 27,2 ×21,2 cm

26. O Patulher, s.d. - Tinta-da-china e colagem sobre papel, Colado sobre cartão, 32,5 × 25,0 cm

27. O caranguejo, s.d. - Tinta-da-china e colagem sobre papel, Colada sobre cartão, 32,5 × 25, 0 cm

 

Metamorfoses

28. Sem título, s.d. - Tinta-da-china sobre papel, 26,0 × 21 ,0 cm

29. Sem título, s.d. - Tinta-da-china sobre papel, 26,0 ×21,0cm

30. Sem título, s.d. - Tinta-da-china sobre papel, 27,1 ×21,2cm

31. Sem título, ad. - tinta da china sabre papel,  24,2 × 19,0 × 21,0cm

 

Objeto eletivo

32. Aparelho metafísico de meditação, 1935 - Madeira, plástico e latão cromado, 18x25 x25 cm

Desenho e objetos doados por José-Augusto França ao Museu do Chiado em 2002, e ali expostos em 1999.

 

 

O artista e a Obra

 

António Pedro da Costa nasceu na cidade da Praia, em Cabo Verde, em 1909.

Frequentou a Faculdade de Direito e, mais tarde, a Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1934/1935, viveu em Paris, frequentando a Sorbonne e trabalhando em academias livres de desenho; ligou-se então a meios artísticos e intelectuais de vanguarda, próximos do Surrealismo. Em 1935, participou no Salón des Surindépendants e, associando-se ao Manifeste Dimensionniste, redigido em Paris por Charles Sirato, assinou-o juntamente com M. Duchamp, Kandinsky, Picabia, Delaunay, Arp, Moholy, Miró, Calder, Bem Nicholson e outros. Nesse mesmo ano organizou a primeira exposição de Vieira da Silva em Lisboa, na Galeria UP, prefaciando o Catálogo. Em 1944 partiu para Londres, contratado pela B.B.C., onde colaborou em diversos programas; participou, durante a sua estadia, que se prolongou até 1945, nas atividades do Grupo Surrealista de Londres. Foi um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa, em 1947, com Fernando de Azevedo, Vespeira, Alexandre O´Neil, António Domingues, José-Augusto França, Mário Cesariny e Moniz Pereira e participou na exposição do grupo de 1949. Iniciador da pintura surrealista em Potugal, em 1935, participou, entre 1935 e 1949, em numerosas exposições em Portugal, em Londres e no Brasil (1940) e desenvolveu intensa atividade como jornalista, crítico de arte, e colaborador em numerosas revistas; dirigiu a Variante, em 1942. Publicou os livros de poemas Ledo Encanto (1927), Distância (1928), Máquina de Vidro (1931), A Cidade (1932), 15 Poèmes au hasard (1935), Primeiro Volume (1936), Casa de Campo (1938) e o romance surrealista Apenas uma narrativa (1942), traduzido em francês e em italiano (c. 1990), o ensaio Introdução à História da Arte (1946), e peças de teatro no volume Teatro (1981). Teve uma notável atividade de dirigente e encenador teatral dirigindo os Companheiros do Pátio das Comédias (Lisboa, 1948), e o Teatro Experimental do Porto, de 1954 a 1966, e publicando Pequeno Tratado de Encenação (1962), e vários Cadernos de um amador de Teatro (anos 40 e 50).

Faleceu em sua casa de família, em Moledo do Minho, em 1966.

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