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Imagem da Capa: Composição, 1994

Outubro – Dezembro 2007

Albertina Mântua 27ª Exposição Galeria dos Paços do Concelho

A pintura de Albertina Mântua tem o espaço que mostra e o tempo que esconde. (...)

A pintura de Albertina Mântua tem o espaço que mostra e o tempo que esconde. Por um lado, visíveis, as figuras submetem-se a uma relação formal, emergências de uma nebulosa massa de alusões, intuições e sonhos; por outro lado, o tempo é da própria pintura e enquanto pintura  tem uma história, ou seja um passado cronológico e relativo.

Albertina Mântua pintou ainda em situação escolar, cerca de 1950, e nas coordenadas do que fazia transparecia um surrealismo de então que, por tendência, era feito de formas e figuras que no seu fundo se achavam.

Nenhuma perdição nelas, mas uma vontade de serem e de se definirem que o sentido do próprio discurso contrariava. E tal era o propósito pessoal e paradoxal da pintora que nos aparece agora, e desde há pouco, a expor ou a reexpor. Entretanto, a vida…

Porém, essa vida que teve, durante dezenas de anos, profissão de ensinar técnicas e maneiras de ver e de pintar, despersonalizando-a salvou a pintora de algo que é, em muitíssimos casos, por injúrias do tempo, a falsa evolução de não saber o que se queira ou possa, que tem assassinado muito pintor da mesma geração, desejoso de dar ou trocar o seu tempo por tempos alheios, entretanto surgidos. Enquanto ia, aparentemente, ou mesmo para si própria, parando ou suspendendo-se em anos de menina, Albertina Mântua ia tomando idade e maturidade; e muito bem fez em assumir agora o que fora, pelo que é. A mão está-lhe firme, na pincelada seca que não procura desculpas de destreino, e antes encontra uma recuperada força, inédita e corajosa. E é então que a tendência inicial e antiga volta, não diluída nos anos que mediaram, mas neles se confirmando – e, fantasmas por fantasmas, de aparições que então via, as que agora vê, de novo necessárias e confusas, são mais bem entendidas para lhe darem razão de história reconstituída.

E a pintura que se aparenta é radicada numa pintura de 1950, ou como então se praticava, no engenho de fazer brotar do conhecimento algo desconhecido que nunca houvera, em termos deste modo surreais, na pintura portuguesa, ou nunca parecera haver.   

…O desconhecido, surgindo, alaga o que se supunha conhecer, e toda a cena em que tal acontece entra num processo de ambiguidade, infinitivo por natureza do seu espaço. De ambiguidade vejo agora que falou o Fernando Azevedo, apresentando uma exposição de Albertina Mântua há dois anos, e foi a palavra final do seu texto. Pois…Ambiguidade, quem a tem chama-lhe sua, e o Fernando e eu conhecemos a Albertina no nosso tempo, que dela foi. Lembro-o sem nostalgia alguma e só porque história é história e esta é assim – na fidelidade de uma pintura que foi e é do desconhecido emergente, em corpos, paisagens, águas, céus e rumores…

José-Augusto França, Fevereiro de 1995

 

 

 

Esta exposição de Albertina Mântua mostrando pinturas, desenhos e objetos insólitos espelha a energia com que se tem dedicado à arte, e que se traduz pela realização de inúmeras exposições.

O horizonte desta obra evoca naturalmente o passado. O envolvimento na prática surrealista (finais de 40) e a experimentação do abstracionismo foram marcos que quisemos saudar aqui em Tomar, pois assinalam um percurso onde esses momentos foram reabsorvidos.

A prática do “cadavre-exquis” e de outros semi-automatismos, ativando a espontaneidade continuam a ser o exercício quotidiano de Albertina, daí o insólito/absurdo, a provocação, a ironia, o acaso do encontro entre coisas diferentes, que de uma maneira exemplar se mostram nos objetos, feitos de espinhas, pedras, troncos de madeira, vidro, explorando a ambiguidade das formas e dos significados, por vezes numa carga sexual/erótica que se manifesta de igual modo na pintura e no desenho.

Enquanto a série de desenhos a carvão das Berlengas (anos 50) introduz a estrutura em ritmos sincopados, que posteriormente servindo outras narrativas se apropria dos desenhos, através de vários registos, e onde a aguada pode ser utilizada, ou no desenho minucioso e leve, tão leve que é somente sugestão, aliás como acontece nalgumas das últimas pinturas, obrigando o olhar a ficar cativo.

Cristina Azevedo Tavares, Setembro de 2007

 

 

 

Dos românticos, ou em comum com eles, é o gosto pela paisagem transmutada pela fantasia, mas refletindo um estado de alma que sofre com serenidade, embora se revele nas árvores de ramos contorcidos que tanto evocam a pintura de Friedrich.

São também românticos os espectros, as aparições os olhares que nos espreitam, por vezes quase invisíveis, mas que transmitem inquietações e incertezas.

Finalmente temos Bosch, o pintor criador de um universo de monstros que são construídos a partir do real. E este universo está presente em Albertina Mântua nas figuras híbridas que são humanas e vegetais, mas sobretudo nos objetos – assemblages – que cria a partir da natureza (espigas, trocos, conchas, escamas de peixe, esqueletos de pequenos animais e, quem sabe, o quê mais vai colecionando), aos quais acrescenta pequenos toques de cor, que acentuam uma forma animal ou vegetal já sugerida pela natureza, ou apenas os junta, combina, por vezes cola. É o princípio – e retomamos G.R. Hocke – de descobrir analogias escondidas entre objetos aparentemente sem relação entre eles, a procura do maravilhoso, tal como a entendia André Breton.

Margarida Calado, Dezembro de 2006

 

 

 

Não tenho dúvidas de que a Pintora Albertina Mântua, que tem consigo mesma uma consciência da pintura vinda de trás, de um tempo surrealista até, em que estes combates foram não só a pintura ou a arte, mas sobretudo uma verdadeira noção e emoção da vida, guarde esse espírito de aventura entre si e o quadro e o tenha presente ao fazê-lo, sempre.

Deste modo o exercício da pintura continua nela a ser intransigentemente um acontecimento poético.

Fernando de Azevedo, Julho de 1993

 

 

CATÁLOGO

 

1. Do Ut Des, 1948/49

Com Vespeira

Óleo s/platex

55x40 cm

 

2. Sem título, 1999

Óleo s/tela com colagem

95x35 cm

 

3. Explosão, 2001

Óleo s/ tela

95x35 cm

 

4. O Passeio dos faraós, 2005

Óleo s/ tela

65x46 cm

 

5. Flores Carnívoras, 2006

Óleo s/ tela

33x46 cm

 

6. Construo o meu real conforme me apetece, 2006

Óleo s/ tela

75x35 cm

 

7. Excita-me a tua presença, ó Árvore – ó Árvores todas, 2006

Óleo s/ tela

75x45 cm

 

8. Sem título, 2007

Óleo s/ tela

44x65 cm

 

9. Série Berlenga, 1957

Tinta da China s/ papel

30x40 cm

 

10. Sem título, 2004

Grafite s/ papel

29x40 cm

 

11. Sem título,2004

Grafite s/ papel

27,5x23,5 cm

 

12. Sem título, 2004

Grafite e aguada s/papel

32x46 cm

 

13. Flores carnívoras, 2005

Grafite s/papel

30x40 cm

 

14. Sem título, 2005

Grafite s/papel

45x37 cm

 

15. Sem título, 2006

Aguada

26x40 cm

 

16. Sem título, 2006

Aguada

28x5x39 cm

 

17. Sem título, 2006

Aguada

38x29,5 cm

 

18. …Tudo é foi…,2006

Grafite s/papel

38x28 cm

 

19. …Tudo é foi…,2006

Grafite s/papel

38x29 cm

 

20. Sem título, 2006

Grafite s/papel

30x40 cm

 

21. Todo o tempo é de poesia.

Desde a arrumação ao caos à confusão da harmonia, 2006

Grafite s/papel

29x38 cm

 

22.Vestígios dum tempo, 2007

Grafite s/papel

70x50 cm

 

23.Sem título, 2007

Grafite s/papel

38,5x57 cm

 

24. Pássaro, 2000

Técnica mista

24x20x18 cm

 

25. Grito – Na gruta de Hieronymus Bosch,2004

Técnica mista

35x29x19,5 cm

 

26. O Manto diáfano, 2004

Técnica mista

21x30x26 cm      

 

27. A onda, 2005

Técnica mista

20x40x15 cm

 

28. Sem título, 2006

Técnica mista

21x8x8 cm

 

29. O tubarão, 2006

Técnica mista

20x30x20 cm

 

30. Punho de renda, 2006

Técnica mista

3x9x8 cm

 

31. A banhos, 2007

Técnica mista

10x40x42 cm

 

32. Velho senhor e o seu criado, 2007

Técnica mista

19x14x19 cm

 

33. Fetiche de adoração universal, 2007

Técnica mista

18x14x15,5 cm

 

 

A ARTISTA E A OBRA

 

Albertina Mântua nasceu em Lisboa em 1929.

Frequentou a Escola de Artes Decorativas António Arroio, onde viria a lecionar depois de diplomada em pintura pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Foi das poucas mulheres a participar nos primeiros momentos da intervenção surrealista, destacando-se os cadavre-exquis realizados em parceria com Vespeira. Partindo desse universo da década de 50, Albertina Mântua tem maturado o seu reportório, criando novas simbologias, onde um forte sentido poético e a procura do maravilhoso e do insólito estão constantemente presentes.

 

Individualmente expôs: Galeria Pórtico, Lisboa (1956); SNBA – Sociedade Nacional de Belas-Artes, Lisboa (1964); “Nas Enseadas do Tempo”, Casa das Artes de Tavira (1993); Galeria da Livraria Barata, Lisboa (1995); Gabinete de Estudos Olisiponenses, Lisboa (1995); Galeria Municipal de Corroios, Seixal (1998); “Desenhos do Bestiário”, SNBA, Lisboa (1999); “Percursos”, Clube 50, Lisboa (2000); “Evocações, Pintura/Desenho”, Auditório Municipal de Vendas Novas (2201); “3x7”, Pintura/Desenho /Colagem, Biblioteca Municipal de Belém (2004); “Insólitos Mistérios”, Galeria Municipal do Montijo (2006); “Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida”, Biblioteca Nacional, Lisboa (2006); “ut pictura poesis”, SNBA, Lisboa (2007). Desde 1953, Albertina Mântua tem participado em mais de cinquenta exposições coletivas em Portugal e no estrangeiro. É frequente encontrarmos na sua obra relações com a poesia ou a música. São disso exemplo, o conjunto de trabalhos inspirados na obra poética de António Gedeão ou a participação da recente exposição coletiva “O Jazz visto por artistas modernos 1956 – 2007”. A exposição que esteve patente na Galeria LM em Sintra teve como referência uma iniciativa idêntica organizada em 1956 pela Galeria Pórtico e pelo Hot Clube.

 

Em 1960 foi galardoada com o Primeiro Prémio na Exposição Nacional de Pintura e com o Segundo Prémio na II Exposição de Arte Moderna da Costa do Sol. Em 1996 o Salão Convívio da SNBA atribuiu-lhe o Prémio Salão dos Sócios. Está representada nas coleções da Fundação Calouste Gulbenkian, do Museu Nacional de Arte Contemporânea, do Montepio Geral, do Gabinete de Estudos Olisiponenses, da SECIL e em coleções particulares.

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