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Imagem da Capa: Vasco Costa/ Pintura, 1972
Os dezasseis pintores contemporâneos que compõem esta primeira Exposição da Galeria Municipal de Tomar, vêm da “Terceira Geração” da Arte Moderna portuguesa, entrada em cena nos anos 1940-50 e já de uma “Quarta Geração”, contígua, que nos anos 1960-70 se definiu sobretudo em novas práticas de expatriamento.
Júlio Resende, nascido em 1917, é o mais velho de todos e recebeu no após-guerra as primeiras lições de uma pintura europeia em evolução, através de uma frutuosa viagem de estudo. Em 1949 a exposição que realizou em Lisboa pode ficar como referência histórica para a entrada da pintura portuguesa em nova situação profissional – a par das aventuras do neo-realismo e já nesse ano, do surrealismo. Resende ia ter longa carreira de professor na Escola de Belas Artes do Porto, onde recebera primeiras lições de Dórdio Gomes, vindo a suceder-lhe, e a sua obra vastíssima (Prémio da Crítica-AICA, 1984), prossegue hoje, inventiva e clássica, e acaba de figurar numa grande colecção de onze Pintores Portugueses inspirados na famosa “Carta de Pero Vaz de Caminha” narrando o descobrimento do Brasil – e que a ele será oferecida pelo Estado Português. A imagem da presente obra de 1957 caracteriza bem a organização figurativa do pintor abstratizando numa grande consciência plástica.
A pintura surrealista é representada aqui por um quadro de Fernando de Azevedo de 948 e que figurou na exposição do Grupo Surrealista de Lisboa em Janeiro do ano seguinte, e por dois quadros de Vespeira, já posteriores à exposição e que estiveram na que foi dita “Jalco”, três anos depois – e que, no seguimento da manifestação de 1949, indicou novos destinos à pintura portuguesa. Outros quadros surrealistas figurarão no Museu em preparação, mas a obra de Azevedo anunciou uma viragem não figurativa, numa tendência lírica que iria marcar toda uma corrente abstrata geométrica que veremos também representada no Museu. “Diagonal”, de F. Azevedo, pode ser considerado como pintura inicial deste movimento estético a que o pintor se conservaria fiel, em seu espírito. Os dois quadros de Vespeira, indissociáveis num díptico sem título, situam-se numa tendência erótica da arte deste pintor que terá longa carreira em várias situações de invenção plástica em que as figuras entram humoristicamente numa categoria especial original.
Fernando Lemos acamaradou com ambos na exposição de Janeiro de 1952, com pintura a óleo, guaches e fotografias (que serão mostradas numa próxima exposição, na sua original invenção poética) mas no ano seguinte partiria para o Brasil, primeiro emigrante da sua geração, ai vendo a ter brilhante carreira. De pouco antes de partir é o quadro sem título aqui mostrado com mais dois, de 1972 e de 1997. Com as três obras se representa bem o itinerário do pintor – num poderoso sensualismo de formas e destruição-construção, ou numa perfeita organização de sinais plásticos modelados em tonalidades e imbricados numa superfície móbil, ou finalmente, num jogo humorísticos de figuras postas numa cena evocativa, pelo próprio título popular atribuído a cada uma das obras então expostas em Lisboa, onde o pintor vem de tempos a tempos, mas só desde 1975. O presente quadro chama-se “Não há de ser nada” – e o mesmo gosto de pintura serviu o quadro feito para a mais recente exposição sobre a Carta de Pero Vaz.
À emigração de Lemos respondeu cinco anos mais tarde a de um grupo de jovens pintores, num movimento colectivo que os levou a Paris e a Munique, um tanto à aventura, de qualquer modo em reacção a uma vida artística e cultural que ao fim dos anos 50 se estagnara – depois dos anos da exposição surrealista, da exposição “Jalco”, da tentativa da Galeria de Março, onde se criou um prémio de Jovem Pintura e a primeira exposição de Arte Abstrata (1954) e se apresentaram 31 exposições, algumas de notável importância histórica, quando o SNI, em consequência da crise política nacional, perdia importância social e significado junto da nova geração de artistas. Entre artistas partidos então, e que em Paris formariam o grupo e a revista “KWY” (que em breve será objeto de uma grande exposição em Lisboa), estão presentes aqui Lourdes Castro numa rara composição abstrata de 1957, anterior a composição de “sombras projectadas” que a tornariam famosa, e René Bértholo, numa obra já de 1963, quando assentara numa “nova figuração” que continua variadamente a realizar – e que lhe valeu o Prémio da Crítica-AICA, 1998.
Meia dúzia e anos mais novos, J. Martins e A. Sena partiram, também, para experiencias americana ou londrina, de alguns anos, e dois quadros seus, se extremos rigor na utilização do fundo neutro da tela, ou de violento grafismo informal, caracterizam bem uma constante de criação – que valeu a Sena o prémio internacional da grande exposição da AICA em Lisboa, 1986.
Retidos numa grande exposição no Museu do Chiado, não figuram aqui quadros de Joaquim Rodrigo, da sua fase abstrata geométrica ou da original figuração com que desde 1961 marcou uma posição inédita na pintura portuguesa. Exposição geral da sua obra aqui virá. Mas, já comparando a ele, numa considerável importância paralela desde a segunda parte dos anos 60, está representado Noronha da Costa cuja entrada na cena artística nacional, num momento de larga e inesperada aceitação social (e de mercado), foi um caso cultural de extremo significado. Da geração de Sena e Martins, mas fechado na sua própria prática, e também na sua formação de arquiteto, Noronha criou objetos jogando com formas reflexas, numa multiplicidade de estruturas que passou à pintura, em simulação de ecrãs em que as figuras se desfazem, numa vaga romântica de raiz germânica. A sua vasta obra tomou posição principal nos anos 70 – e o quadro aqui mostrado, de 1973, jogando com uma representação ambígua da própria tela, insere-se bom na corrente de reflexão estética do autor, ainda recentemente produzida sobre a Carta de Pero Vaz.
Vasco Costa andou pelo Brasil e pela América (e fez a guerra de 39-45 no seu exército), antes de se instalar em Paris onde retomou a sua profissão de pintor, mas então numa nova situação estética de anos 60, praticando uma pintura gestual. Foi único da sua espécie na arte portuguesa a que se desejou sempre ligado, em Lisboa se apresentando em 1969. O quadro aqui exposto, de 1972, é uma obra especialmente significativa desta pintura praticada com largueza e instituto – “oragista” lhe chamou a crítica francesa.
A. Palolo iniciou no fim dos anos 60 uma pintura de carácter “Pop” mas que jogava já com valores der ilusão “op” a que rapidamente acedeu, já em 1973. O quadro apresentado aqui, de 71, é do mesmo ano daquele que, escolhido pela crítica, brilhantemente pintou para a nova decoração d’”A Brasileira do Chiado”. M. Casimiro tem aqui uma obra-soma de uma longa diligência que podemos dizer (aqui o digo pela primeira vez) “transfigurativa”, usando como base uma pintura célebre (de Turner) e nela intervindo num jogo de ocultações sucessivas que, ao fim, escondem toda a tela. Publiquei-lhe a longa série de imagens na Revista “Colóquio” em 1985, na grande companhia de Butor, Lyotard e Eduardo Lourenço, que sobre o caso refletiram então.
J. de Guimarães é hoje o pintor português de mais larga expansão internacional, com trabalhos no Japão, na América, e sucessos em Paris e na Europa para uma pintura (e uma escultura) de uma figura de monstros sexuados, ora doces ora violentos no seu humor. O Prémio da Crítica-AICA, 1992, e a Carta de Pero Vaz comprovam o valor que este importante quadro de 1994 bem justifica.
H. Ruivo, vindo de longa permanência em Roma, modestamente esconde em Lisboa uma pintura de retido humor, em que realidade e sonho se massacram – como neste quadro de 1988 bem se vê.
M. Amorim, como Luís Lemos, vivem e trabalham em Paris, e têm quase a mesma idade, ainda se 40 anos, como Ruivo: são os mais novos desta exposição.
Amorim segue discretamente uma obra de sinais apagados, que vem como que de uma silenciosa arqueologia, com seus mistérios. Luís Lemos violenta as figuras de um “bad painting” cujo gosto francês lhe assegura êxito onde vive – e mais receoso apreço em Lisboa, quando apresentou, no Palácio Galveias da Câmara Municipal, uma vasta exposição em 1995.
… Várias tendências, várias práticas, várias idades se apresentam nesta exposição-anuncio, ocasionalmente realizada: a pintura portuguesa da segunda metade do século que agora termina nela encontra amostragem explicável.
José-Augusto França
CATÁLOGO
MANUEL AMORIM (Lisboa, 1950 - )
1 – Desenho, n.a.,n.d. (1985) 65x50 cm
FERNANDO DE AZEVEDO (Vila Nova de Gaia, 1923 – Lisboa, 2002)
2 – Diagonal, a.d. (1948) 33x41 cm
RENÉ BÉRTHOLO (Alhandra, 1935 - Vila Nova da Cacela, 2005 )
3 – Mme. JULIA entre la nuit et le jour, a.d. (1963) 40x55 cm
MANUEL CASIMIRO (Porto, 1941 - )
4 – Quileboeuf-na-Foz-do-Sena (sobre reprodução de J.W.M Turner), a.d. (1981-82) 73x95 cm
LURDES CASTROS (Funchal, 1930 - )
5 – Caracteres, a.d. (1957) 72x50 cm
VASCO COSTA (Lisboa, 1917 – Paris 1986)
6 – Pintura, a.d. (1972) 153x142 cm
JOSÉ DE GUIMARÃES (Guimarães, 1936 - )
7 – Femelle, a.d. (1994) 130x95 cm
FERNANDO LEMOS (Lisboa, 1926 - )
8 – Pintura, a.d. (1953) 50x46 cm
9 – Signos desmemoriados IX, a.d. (1972) 80x80 cm
10 – Não há de ser nada, a.d. (1997) 100x100 cm
LUIS LEMOS (Belmonte, 1954 - )
11 – Pintura, a.d. (1990) 116x88 cm
JORGE MARTINS (Lisboa, 1940 - )
12 – Pintura, n.a.,n.d. (1984) 100x72 cm
LUIS NORONHA DA COSTA (Lisboa, 1942 - )
13 – Pintura, a.d. (1973) 65x92 cm
ANTÓNIO PALOLO (Évora, 1946 – Lisboa, 2000)
14 – Guache, a.d. (1971) 64x48 cm
JÚLIO RESENDE (Porto, 1917 – Gondomar, 2011)
15 – Composição (pastel), a.d. (1957) 50x65 cm
HENRIQUE RUIVO (Borba, 1952 - )
16 – Pintura, a.d. (1988) 69x99 cm
ANTÓNIO SENA (Lisboa, 1941 - )
17 – Pintura, a.d. (1981) 60x80 cm
VESPEIRA (Samouco, 1925 – Lisboa, 2002 )
18 – Duas Pintura, a.d. (1949) 29x24 cm
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